sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Tinta escarlate














Antes desconhecido, do que um grande imitador
repleto de vazios profanando a verdade.
Ao cabo de que minha vida busca o Outro Lado,
aquele decantado que habita o infinito.

E o meu labor se fazendo ócio
sem ter mais, buscando àquele Outro:
nada tendo para mim mesmo, o estado
de putrefação espiritual, crosta e ferida.

Sei mesmo que o amor estanque não move a alma,
incinera o coito despótico, mesmo estando em épocas de Carnaval,
e a tiragem inúmera de malfadados volumes
bem sabendo que não venderá um terço da tiragem original.

Mas cabe a mim outra ramagem?
Estar sendo observado por alguém outro
que habita outra pastagem, o invisível do entremeio.

Sei que ele tem morada no Outro Lado
e tem se deformado por ideias quais nunca explicarei,
mas a cantiga roda o mundo material, e nunca saberei se por ventura
poderia ter cantado àquele Outro

com a voz de dentro, enlouquecendo o mundo cá fora.

E a maquilagem lunar, rarefeita,
sem termos tempo para o futuro que promete
e ter maior apreço pelo presente, o agora,
sem nunca termos nadado à outra margem
e sermos amaldiçoados por não termos buscado o Outro Lado

talvez na paz do corpo inerte, ou no copular ardente do escarlate.


(Sem Data)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Propagação













No murmurejo eu me componho,
punhos cerrados,
dores nos olhos,
o velho estado de idades ermas e solitárias.

O Tempo, meu pai,
este que desata o nó dos antigos infortúnios.
Meu pai?
Ah, pai! Levaste-me para longe de mim
e aqui eu danço, fornico a paisagem,
descamo e desfolho as flores
de tão promiscuo que sou por tu seres, também.

Pai, tu me fizeste com júbilo, então
sou o descompasso da matéria,
sou o viço e a cor do inominável.
Eu sou o imperceptível.

Sou o oposto de ti, pai.

Nadei a dor como os humanos em um rio corrente,
sangrei o mel como os humanos o sangue quente.

“E agora, filho?”

Agora eu sorvo as moléculas do orvalho,
vejo o nascer e o morrer
de um sol que nunca, jamais existiu,
e disparo cusparadas para mostrar-lhe
que os segundos do seu relógio vital
são meros trechos de ti que não alteram
nem alterarão o meu processo de crescimento:

eu sou o filho bastardo do Tempo.


(08/10/2015 – Santa Maria)