segunda-feira, 30 de setembro de 2013

VEREDA

O que tens de mim, eu, caminhante das veredas
Estreitas e enlameadas, distintas por sua imensa
Forma de se dizer vereda da loucura, ou, no mais
Vereda do ululante ladrar das cadelas em minha volta.

Mas não era eu. Nem tu, que me tinhas a mim
Assim, neutralizado por seus polos elétricos
Glorificado pela gritante forma, e alguns parafusos
Desatarraxados. E não éramos nós que nos tínhamos
Era uma extrema viração, e nessa busca incessante
Pelo material primeiro, da primeira molécula
Que pudemos sentir o leve toque celestial de um anjo
Alado e alvo, que nem pudemos ver tão nitidamente
A tez de sua pele por sua intensa claridade, o cintilante
Bater de suas asas. Mas o que me deu a verdade
Foi o sopro do sussurro da voz de Deus em meus ouvidos
Surdos, dizendo-me coisas que minha voz cala ao repeti-las.

E no momento exato da viração à raiz de se ter um anjo
De estimação, vi-me numa camisa apertada, com os braços
Atados.  Agora! O Agora me faz estrela, e a rutilante
Tez do invólucro do meu espírito sadio e sedento
Faz-se necessária quando o mundo todo se monta
Nessa vereda enlameada e úmida. A vereda primeira

A vereda de se fazer e moldar-se dentro da Vida.


(30/09/2013 – Santa Maria)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

MANIFESTAÇÃO POÉTICA

E assim mesmo te pareço
A casca grossa da minha pele
Um ente alado e celeste no despenhadeiro?

Amando-me a mim, mulher
Madura e eloquente, um ser carnal
Manifesto no contente, mutilado no vulgar
Solidificado na areia cósmica da lua
Às maneiras de se dizer amar, sendo.

A crueldade do passar das horas
E o crepúsculo em nosso meio indigesto.
Um tanto tonto e imperfeito
Hei de te amar na madrugada ardente:
Amando-te e sorvendo-te
O sumo do teu corpo jubiloso
Sob o meu corpo em eterno gozo.

Tem-me a mim, perto.
Raízes da razão. Sou mesmo
O poeta do solo e do entremeio.


(27/09/2013 – Santa Maria)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

QUANDO VEM O AMOR

Suplico-te vida, Amor Maior, assim, humana
Formosura indistinta, misto de saudade e eloquência.
Fiz-me sólido, mesmo descontente do amor
E fiz-me mais salgado e rancoroso por dele
Não me couber o eternamente.

Por meio do ganido assim desigual e imperfeito
Mostro a pérola do peito congestionado
O interior da ostra, o grão de areia
A inflamação ao redor dos pontos cirúrgicos
E o maldizer de uma carta de desprazer e rompimento.

Que vens fazer aqui hoje, Amor Maior?

Se de saudades eu sofro tanto, é dela
Que hei de sorver o amargo fel
E é dela que hei de usufruir para que nela
Eu aplique o maior dos gestos. Amarei até —

Sem onde, nem quando, nem como.


(25/09/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

MOVIMENTO

É por amor que eu descarrego a munição.
E é por ele que arranco as penas das asas dos anjos
Caídos e falidos dentro de um mundo insípido.
É por amor que na calada da noite eu viajo
Percebo o imperceptível, vejo aquilo que não existe.
É por amor que a loucura da minha lucidez se faz
Mórbida. Sou louco, mas louco por ti, assim sempre.

Cansei de lutar a batalha de sangue e ossos e espadas.
(O aço firme, as cercas de arame farpado com restos
De carne). E, nessa viagem chamada vida, pude ver
Que todos os caminhos me direcionam a ti, amor
Imortal. Infinito. Que não cabe somente dentro
Do meu peito, mas mesmo assim o carrego no meu coração:
Porque te amar assim me faz virar estrelas, constelações.
Amar-te assim me faz virar poeta. Amar-te assim
Me faz virar humano. Porque te amar assim me faz
Ter desejos de animal, enquanto os anjos voam por sobre
As nossas cabeças. Porque te amar assim me faz
Sentir a ausência que o meu verdadeiro eu provoca

Mas que quando estás presente, ó amor da minha sina
O mundo não tem mais importância. Desejo apenas

O teu abraço apertado, o teu cheiro e os teus olhos de menina.


(15/09/2013 – Ijuí)

ORVALHO LETAL

O orvalho se forma na crosta
Amarga e viscosa da solidão.
Nem sei mais eu se fico
Na beira da estrada, na contramão.

É o saudoso e pestilento bafo
Que o vento um dia soprara
Em minha cara. Não vejo
Não vejo vida, nem tenho mais
Não tenho nada.

A maquilagem negra da noite
Farta de luar, a lua cheia
Percebo, nesta imagem enegrecida
A minha juventude transfigurada.

Outrora o tempo (velho nas estações
Do ano) o tempo de estar bêbado
Caindo, tropeçando, sentindo o mundo
Agora vejo a minha juventude perdida
Nos confins, perdida nas vilosidades
Intestinais, sendo expelida
(massa fétida e pútrida) pelo anus
De um animal.


(13/09/2013 – Santa Maria)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

“BIOLOGISMOS”

1.
Gorjeio feito um pássaro pousado no galho da literatura.
Manifesto meu anseio pelas belas artes.
Canto o meu trinado do acasalamento, deitado por meio de letras
Pontos e vírgulas.

Uivo feito louco, nu em meio à avenida
Nas manifestações alucinatórias de meus neurônios sedentários.

Faço-me árvore, ao invés de ser chão. Pedra eu fui.
Sangrei, em meus sulcos, o magma da rocha.
Fui mudo, cartilha surda, lecionei o canto rouco
Para uma banda de ninguém.

Fiz-me parte desta natureza imensa.
Fui um grão de areia inflamado numa ostra, pérola.
Já fui metal precioso carregado por bandidos maníacos.

Hoje
Sou um cantor de ilusões, histérico.
E quem não ficaria assim, sendo muitas coisas contraditórias num mundo comum?
Terminarei na vala, na lama
Como um bom molusco verde e gosmento num labirinto de sal sem saída.

2.
O canto perdura
Afunda o sulco, encrava a rocha
Dilacera
Mamutes transeuntes em meus miolos, cachos de cabelo, viços da relva.

E se eu disser “Tudo bem”? Nada voltará a ser um canarinho
E o peixe pulará fora do aquário.
Nadarei na correnteza desse vento encanado no meu corredor.

O ofuscante brilho de meu sistema cardiovascular num exame de imagem
Em alta resolução.

Mas o canto perdura. É o cardeal com sua cabeça vermelha que floreia
Um trinado. O gorjeio sentimental de um ser preso numa gaiola.

3.
Semeio as letras no papel, como a gralha e suas sementes.
Deixo-as brotarem, e, quando bem formadas, colho-as.
Não como as pinhas da araucária, que caem.

Construo minha fortaleza de capim, chão batido, paredes de pedra...
Sou feito um pássaro livre, voando no céu límpido, tênue sensação de liberdade.

Incontido o meu grito de alforria. Gaiolas
Aquários, coleiras e correntes: NUNCA MAIS.

Manifesto minha alegria de anistia dos favores.
Exilei-me e trilhei o caminho percorrido pelas lesmas.
Agudas sílabas poéticas de meus pensamentos insólitos.

A biodiversidade.

A natureza faz parte de mim e de minha poesia.
Sou feito hortelã, anis, erva cidreira
Para ser bebido quente no chá da tarde.


(09/09/2013 – Santa Maria)

domingo, 8 de setembro de 2013

LIBERDADE

Passa
A lâmina.
Passa.
Passa a lâmina.
Afia.
Corta.
Testa.
Verifica.
Sabe-se
O que?
Vai
Passa a lâmina no esmeril
Fagulhas cintilantes caindo, voando da roda, a madeira
A madeira da mesa.
Testo a faca
Na madeira.
A mesa.
Tudo pronto
Em seu devido
Lugar.
A pele presta
Para tanta afiação.
O silêncio afinado da oficina muda
Claustrofóbica sensação de perder o controle.
Fito a janela
E lá de fora a árvore me fita
Vejamos: assim nos vemos de relance.
A seiva da árvore, subindo ao tronco, descendo ao solo
Assim como minha seiva a ser derramada
Colorida, rubra
O som das cores
Deformadas.
Desligo o motor do esmeril
Passo o fio da faca num fio de cabelo
Meu próprio cabelo para o teste.
Testo.
Ela corta
Afiada faca
Longa e firme.
Determinação.
Corpo em controle. Mente forte. Exatidão.
Tranco a porta
Saio ao pátio
Entro em casa
Vou ao banheiro
Tranco a porta
(Som nefasto da chave se passando).
Banheira
Cheia d’água
Corto os pulsos
Deito n’água
E vou morrendo lentamente
Vazando. Tingindo a água de vermelho
Sem saber o gosto da lâmina em meus pulsos.
Cortes fundos, nem percebi a dor.
Na liberdade
Lambo uma gota
De sangue e seu sabor
Como se bebesse vinho.

(08/09/2013 – Ijuí)

sábado, 7 de setembro de 2013

PASSAGEM

É
A maldita chance de felicidade, de estar feliz
(Mediocridade)
Não hei de ser feliz, que outrora fui, mas não me senti.

E nesse caso de doutrinas felizes, compactuadas
Nos vícios do sangue
Fiz-me hoje, e vos digo que não tardarei a sumir
Por tempo indeterminado, mas ponho
Nas palavras do dia, escrituras de vísceras e de raça.

Vejo-o
Reflexo em espelho barato
Para, com uma espuma barata, barbear-me.
Deixo por sobre a cama a minha roupa mortuária.
Já posso sentir o fio da navalha em meu pescoço, deslizando
E percebo o sangue jorrando em cachoeira rubra cintilante.
Nada mais faço, pois a felicidade passou por mim
Mas não a senti.

Minha vida é muito pouca para felicidade.
Sou feito de material inflamável
E nunca deixei de acender o meu cigarro.
O sangue é meu início e meu fim.

(Ontem).

Hoje estou seco, tardo a arder
Há incandescência em meu sumo vital
O sumarento líquido de minhas artérias.
Eis que a vida passou por mim, e já me disse adeus.


(06/09/2013 – Ijuí)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

BLOQUEIO CRIATIVO

É o insustentável agudo som desta paisagem morta
emanado
do insólito motivo de um bloqueio criativo
que, realmente, vejo-me numa dessas
loucuras

Malditas formas luminosas e coloridas
que saltitam e flamejam e cintilam
azuis, verdes, vermelhas, doiradas
sabe-se lá!
Mas que não me abandonam, noite dentro de um cálice
de vinho
E se o vinho noturno não me cair bem
que seja culpa desses pirilampos coloridos
tagarelas, que deformam a minha realidade
Que
me atormentam

Sei bem, que há tempos não tomo meus remédios
E o bloqueio, motivo pelo qual não escrevo (é um relato
não minto, estou contando)
E que o corpo desfalecido no quarto da empregada
apodrece
mas, sei lá, só foi um corte profundo no pescoço


(02/09/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

ZYPREXA

Percebi meus anseios, sem nem ao menos ver pela janela
A paisagem fria, congelada, mas notava o movimento de rotação da Terra.
Percebi as folhas que caiam das árvores, e a loucura geral instalada
Em meu cérebro de poeta, sem nem ao menos ter vivido mais de vinte anos.

A claustrofobia emanada pelos poros e sulcos das rochas que me constituem
Eu não via mais a maquinação de estrelas no céu, notava-se que iria chover
Mas a labuta continua (dia e noite, noite e dia) dentro de meu cérebro
(Outrora era mais rápido, a máquina perfeita, não havia falhas)
Intensa era a poesia, ela vivia em mim, por meio das células e do plasma.
E todo o fluido viscoso e pegajoso que escorria no canto de minha boca
Era o sumo mais adocicado, o néctar supremo para a noite que se avizinhava.

Não sabem o quão duro que é viver assim, desorientado, histérico
Saindo às ruas nu, uivando, vomitando, numa alucinação contemporânea.
A recuperação, assim, para um doente mental, de alto risco e gravidade
É um processo lento, mas eficaz. E embora seja a minha vida uma paranoia
Com minha literatura. Eu vivo simplesmente para isso, e a isso vou viver
Cada momento, com gratificação de meus amigos mais próximos
E as duplas, aos belos poemas em quatro mãos, de dedos calosos.

Naufraguei no mar da insanidade. Vi entes que sobrepunham o real.
Eu acreditei neles, solidifiquei nossos diálogos (que na realidade
Eram apenas monólogos, para quem me ouvia, e não via interlocutor).
Sim, eu vi meus pés flutuarem num céu escuro, época negra. Para alguns
Doentes: passageira. Para outros: permanente. Embora me fosse uma saída
A dita pura poesia. Eu emanava desespero, sorvia demência
Beijava cacos de vidro, solidificava meus músculos dopados de medicação
Rumo ao eletrochoque. Vamos! quem sabe uma lobotomia? Não.
Vi-me tranquilizado numa cama de um hospital psiquiátrico, a ser tratado.

E por solução celestial, que encontrei a verdadeira semente do real.
Pude provar de seu gosto, apreciou meu paladar. Pude inebriar-me
De sua dosagem diária, pois me deixava bem, fora das alucinações
E dos monólogos pouco apreciados. Vi, meus caros, o verdadeiro gosto
Da palavra que ressoa, em meus ouvidos, serena. Ai de mim se não fosse
A dita musa de meus dias e minhas noites. Salve o composto “Olanzapina”
A minha estrada de fuga de um mundo imaginário que me perseguia.
Uma autoestrada que me leva rumo à minha verdadeira poesia, à minha vida.


(01/09/2013 – Ijuí)

ESQUIZOFRENIA

É o corte. O corte que foi fundo até a alma dos meus ossos.
Desses cortes que são feitas a vida e a morte.
Dessa maneira, amando, vi-me destruído
Não era eu, pai da sanidade, que me vi alienado
E a ideia de criar um ambiente para repouso
Desse tipo, sei bem, não preciso mais.

Quando vi os donos das vozes dos meus ouvidos
Quando percebi que o mal que eu cometia era
O mal que eu padecia. E que toda a agressão física e moral
Que nela eu praticava, percebi-me, que por amor, louco estava.

Mas de qual loucura estou falando
Se me demoro cinco horas para cada verso?
As palavras desconexas, alguém, dentro de mim, ditando
Eu sabia, realmente, mas não queria acreditar.

Eles me vigiavam, eles conversavam comigo, eles me ofendiam
Machucavam-me, obrigavam-me a fazer coisas improprias, crimes.

E, na carta, ela me dizia que estava presa e sem ação.
Loucura maior... A herança e a patologia são elas ejaculações
Sanguinolentas, viscosas e impuras, da glândula putrefata
Que, de nós, expele o mais verdadeiro sentimento: o ódio.

Fui morrendo. Eles não me abandonavam
Via-os todos os dias, todas as horas, todos os minutos.
Não adiantava trancar as portas e as janelas, eles estavam
Dentro dos meus ouvidos, e com a alma implantada na minha retina.

Fui morrendo aos poucos. E por final, não só eu
Mas meu eu lírico, ele foi lobotomizado.

E não sou eu que escrevo esse poema
É minha alma.


(30/08/2013 – Ijuí)