sexta-feira, 19 de junho de 2015

Corcel














Pode-se nadar por um rio estagnado
Lago de ocaso, alaranjado ou rubro
Meu dorso encharcado atravessa o tempo.

Sou o nadador nato dos ponteiros do relógio.

Nado, sim, mas de natação nunca tive aulas
Aprendi a matéria em decorrência da prática
A vida ensinou-me.
Após a descontração dos músculos, deitado
Em beira do rio-lago, o céu enegrecido, já
Fito cavalos selvagens, enormes corcéis negros
Em movimentação rápida-leve, livres de arreios.

Sou um cavalo negro arisco, livre e robusto.

Muito trotei por entre a relva de matizes esverdeados
E nada encontrei de suprimento para anseios meus.
Mas tenho-me a mim, mesmo selado, agora, para montaria
Depois de capturado. Regressei. Agora estando solto
Sou meu vassalo, meu clero e meu próprio rei.


(19/06/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Particularidades do alheamento

























Se tu dissesses, assim, em meu ouvido
Que me amas, eu deveria crer?
Deveria crer, também, na sua voz melodiosa
Como o regato tocando as pedras
Assim, sibilante e mansa em meu ouvido
Que eu deveria também amar-te?

Sou o sopro de um átimo do momento agora.

Ouço sua voz, mas em nada medito
Crio expectativas desmesuradas de amores e mitos
Desses que cantam os poetas.
Mas nada sei de amores e mitologias
Sou apenas um par de olhos suspenso no espaço
Para infinitamente fitar, como quem observa
Porém nada vê. Apenas aprecia a sensação
De estar sendo à existência. Eu sou um mundo alheio.

(12/06/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Lamentos melancólicos da possibilidade (3)














III
Ruana canta, saudosa, os momentos
Que haviam sido nossos.
E ainda assim encanta com seu cantar longínquo
Meu coração, agora solitário e mudo.

Suspenso sobre as águas salobras e sanguinolentas
Eu retenho a filosofia do Lobo da Estepe
Já com minhas cinquenta primaveras
Solidifico meus anos para saber um pouco mais do Eu
Na louca noite de vinho e tempestade.

Suplico-te, Ruana, que não recuses o coro dos anjos

Que ouças, mais atenta, a minha voz chamando
Dizendo
Que o corpo já não é regado em sangue
Mas sim de sensações orgânicas-espirituais
A necessitarem de sua seiva para sobreporem-se
Ao estado de estar adormecido para sempre.

Ruana suspensa sobre o pensamento
Decide
Mas já é tarde, meu corpo sucumbe.
E tu sabes, Ruana, que a vida galgou
E nossas retinas não viram
O subir de minh'alma ao firmamento.

Ruana, tu choras, mas já é tempo. Vem!...

(05/06/2015 – Ijuí)

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Lamentos melancólicos da possibilidade (2)














II
Se porta aberta é o que tu tinhas, Ruana
O que eu tenho agora, se não desfalecimentos?
Cantei realmente o que perdurava — enganei-me —
Hoje o que tenho é solidão e desalento.

A queda aproximava-se, Ruana, e fora vigorosa
Mas o que fizemos? Recusamos amor e permanência.
Contudo amávamo-nos de forma tão genuína
Que hoje, agora, as flores descolorem-se, murcham
Realmente, por não terem mais a seiva-mãe
Que tanto, no amor carnal, exalávamos satisfeitos.

Passo a ser escravo do tempo — que sina —
Sequestrara-me de minha casa-guardiã
E pusera-me em cativeiro inóspito, meu tormento.

Agora poetizar é a minha grande fuga
Porém a canoa naufraga na travessia do rio.
Assim escrevia, trabalhando aos séculos forjando lâminas
E a fonte esgotara-se lentamente —
Desmotivos de um amor que houvera sido.

O ribeiro, por detrás de minha cela, torna-se rubro.

Vês, Ruana, na mais recôndita reentrância
O coração verte sangue ainda, e tu deves crer
Que o emanar amor-sangue ainda é nossa vitalidade
Por isso me aceites, eu, Jano, com todos defeitos
O maior de todos é o amar. Não sejas leviana
Que o amor ainda flama com a cantiga do desejo
Com a cantiga que nos levará a usufruir do gozoso êxtase.


(04/06/2015 – Ijuí)

terça-feira, 2 de junho de 2015

Lamentos melancólicos da possibilidade (1)















I
A minha casa, bela redoma de vidro
Guarda meu corpo
De invasões de sentimentos inimigos.
Longínqua foz, o olho d’água que me regava
Para ser ramagem de folhas verdes-vivas.

E tu que me amavas, Ruana, hoje já não sentes mais
Mas eu, Jano, aqui, cantando alturas, enquanto
Na realidade estou em uma campina.
E no cantar alturas elevo este amor antigo
À condensação de estar mesmo vivo
Cantando amor, sem estar a ponto de um grito.

E tu me amavas, Ruana, porta aberta
É o que tu tinhas. Hoje, aqui só solidão
E campo vasto de ervas daninhas.
Minha casa era guardiã do meu corpo
Hoje é apenas o restante de um caco
Meu reduto de poesia e coisas vãs
O que preenche meu estado de não-vazios.


(02/06/2015 – Santa Maria)

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Ária existencial





















Não posso correr o risco
De uma vida completamente inútil.
Meu sopro amargo de remorso
E negro amor
É o estampido abrupto
Da época de colheita.

E se meus frutos forem amargos?

Agora canto por obrigação
Fazer de minha vida uma canção lunar.
Resignado peito é o que mais chora
Mas, restituído, o amor é o que mais canta.

Portanto cantarei os matizes.
Minha vida agora é gozo
Pois, um dia, agudo fiz o teu.
De amor, realmente, entremearei
O peito. E na candura de uma cantiga
Verterei a voz, na foz da existência humana.


(29/05/2015 — Ijuí)