terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ROCHA

Não é por meros coloquialismos
Que se fazem os grandes ramos da fita.

Somos todos agrupados pelo verdadeiro significado
Do relance magnético e chamativo de uma imagem
De sons inexatos que não vêm a mascarar a intolerância.

A ganância não nos convém
Devemos abater o pútrido desejo de conformidade
E abrasar o peito aberto repleto de chagas e feridas
Principalmente pela arte humana que se faz.

Para ti a reverência
Pois teve deixado nesse peito aberto
A ferida mal curada e o desejo de continuidade de seu projeto magistral.

Empunhada uma câmera fumegante
E o cérebro áspero e digno de grandes ideais.


(31/12/2013 – Ijuí)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

CASOS PERDIDOS

Não cantarei ao léu, novamente, meus verdadeiros versos.
Cantarei a ti, amor, meus versos mais distintos e puros
E neles depositarei a minha simples vida de poeta e construtor
De sentidos e significados mais reais que a parede porosa dessa casa antiga.
Contigo, amor, retenho o verdadeiro cantar de alturas para poder sofrer
As juras de amor; e, para quem não ama, palavrões e nomes feios.

Que de nada o outono possa me tirar de um ano cheio de bravuras
Posto que também o inverno possa me tirar (ele refrigera a alma e congela os sentidos).
Tudo o que essas estações podem me tirar, chegando com presença gloriosa
Deter-me-ão aos meus sentidos perfilados em meus neurônios fatigados
A primavera e o verão, que além de sentimentos vivos e perfeitos
Me trarão alento e aconchego do calor dos dias, e das noites perfumadas.

Se do amor provar o sumo desses beijos repentinos, e souber que na noite
Tudo se esvai em orgias assassinas por putas e rameiras debaixo de um viaduto
Sei que em um dia amei a quem me estava presente, mas atenção eu retive quando a perdi.
E os de perto, assim, a eles nós retemos, mais até quando perdemos
E os casos perdidos de ausência e glória da partida anestesiada de sentidos e estações do ano
Vamos reter atenção quando mais ainda se espera o perdão de se dizer um idiota

Para naufragar no mar da solidão.

(17/12/2013 – Santa Maria)

domingo, 8 de dezembro de 2013

LEITO DE LÁGRIMAS

Mancho o meu leito, assim
Com essas lágrimas, que hei de chorar
Por um milênio.
E nada do que chorarei há de adiantar
E de rever o que hoje eu tenho
Pois o que tenho hoje hei de perder
Para que noutros dias tenha de que chorar.

E do simples lençol, que encobre minha cama doce
Hei de fazer tão fino lenço.

Suplicarei a Deus que leve
O que de tão martirizado tem me feito
— O meu tormento —
Que das lágrimas por mim derramadas e convulsas
Hão de ser secadas pelo calor do sol
E as latentes chagas que em meu peito se formam

Serão cicatrizadas pelas lágrimas escorridas
E pelo fino sopro do vento, que levará daqui
O meu lamento.

(08/12/2013 – Ijuí)

sábado, 7 de dezembro de 2013

SAUDADE

Se te digo que é de saudade que borbulha meu coração
Deves acreditar.
Que nem do profano grito de ajuda
Brada o meu peito aberto obcecado pelos beijos teus
E não é por vontade minha que derramo tão fino pranto
Pois que a saudade manifestada no meu pesar
É pura. Nódoa verdadeira no meu peito
Para ser extinta a minha sagacidade de poeta.

Meu corpo treme em convulsões noturnas
Pedindo perdão pelos erros já tão marcados
Para me libertar dos grilhões astutos

E mendigar carinho a quem me passa, mas mesmo assim
De ti, nunca mais morrerei de saudade.


(03/12/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

NOVE NOITES

Nove noites, Claudia, esperei suspirando.
E nessas longas madrugadas velei teu leito
Dormi com os olhos abertos
Sem direção exata, Claudia, naufraguei sorrindo.

E nessas nove noites de burburinho com a solidão
Chorei rindo de desespero, de vácuo infinito.
Claudia, não sei maior amor do qual desperdiçaste
Amor, esse, redentor que pereceu em nove noites
Mal dormidas, mal assistidas, mal confiadas.

Nove noites, Claudia, esperei pelo teu nome
Pelo teu chamado noturno de carinho
Que nunca mais voltarei a ver, sentir.
E Claudia, tu sabes bem que do amor provamos
O fino licor. E nada de amor retemos

Nas nove noites que padeci sozinho.


(02/12/2013 – Santa Maria)

ONDE ANDARÁS?

Até por onde anda a vida
Que não me encontra?
Até por onde a vida anda
Que não me encontra nessa rua
Nesse parque ou nesse jardim?
Até por onde andara a vida
Que não dentro de mim?


(02/12/2013 – Santa Maria)

domingo, 1 de dezembro de 2013

INCONGRUÊNCIA

Se é do amor que sorvo
O celestial sumo do teu peito
É nele que derramarei o meu viço tão discreto.

Hei-me de ser incorruptível (como a memória)
Crispando e moldando o meu viver
Dentro de um vaso fino de porcelana
Ou por sobre uma tigela de vidro claro.

Se é do amor que retenho vida
(Agruras indistintas nessa noite)
Hei-me de ser tão solitário (ou prematuro)
Dentro de um peito que, até agora, permanece vazio

Para gritar diante da noite:
Que um ser humano morreu sem ter vivido
Que um ser humano viveu, quem sabe
Sem ter, na vida, amado.

(01/12/2013 – Ijuí)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

AMOR

O que dizer de um amor, assim, tão repentino
Abrasando esse tão humano coração
Com chamas altas?
E do amor reter o viço, a agudeza de um semblante celestial:

Reter o mais do amor
Reter a sombra de um corpo delgado
Reter aos olhos essa imagem pura

E nadar. Nadar amor no mar de calmarias
Nadar na vida para ser lembrado esse amor

E nesse puro amor do qual seremos lembrados.


(27/11/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

BREVIÁRIO

Com a boca fechada, assim
Uma varejeira, mosca trincada

De se saber um dia feito
Noutro dia o descontente está ativo

E a morte aberta no céu sem cor
Estando o mar sedento pela água salobra.

Mesmo que os fetos natimortos
Apodrecendo o útero materno

Lacrimejando os olhos dos visitantes
Maquinam a maquilagem de um velório.

E nem por isso não era eu.
Nem eu me fazia, assim como tu fazias

E as façanhas nubladas e congestionadas
As despudoradas pombas estão mortas na beira do cordão.

E nele também um ente mentiroso e raivoso
Que me mordeu, passando-me essa vil doença

De nunca aprender a dizer: “Eu te amo”.


(25/11/2013 – Santa Maria)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SORDIDEZ PROFANA DO GRITO

Caminho entre meios
Entre meios eu caminho
Sem saber a direção exata
Sabendo ser exato na vastidão.

Se, com camadas, faço-me
Humano, corpo celeste:
Far-me-ei celeste e humano
Dentro de um tipo corpóreo agudo.

Com vozes profanas
E a lentidão do mundo
É que descubro o antídoto
Do mundo lento e da
Sordidez profana do grito.
                 

(22/11/2013 – Santa Maria)

domingo, 17 de novembro de 2013

O ARDIL DE UM SENTIMENTO

Manifesto meu desejo, assim, não desejando.
Se de nada me faz ter maior amor: que manipula
Que corrompe, que maltrata e que pisa.

Maior desejo é não desejar
Pois do amor só tenho más lembranças...
Areias movediças, linha esfarrapada e arame-farpado.

De nada tenho ao amor, mas, sim, a outro sentimento:
Tenho de entendimento boas coisas
Mas do amor tenho um punhado de pedras...

Pilhas arriadas, jarros quebrados, uma centelha que se apaga.

Mas de nada terei do amor
Se não uma dor crônica duma ferida aberta
Que nem do próprio amor curará
Apenas aumentará a dor e o sofrimento:

De um amor servil, manipulador e opressivo.


(17/11/2013 – Ijuí)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SURTO PSICÓTICO

Calculando a falta que me faz de sanidade
A falta que mais faz de lucidez; caleidoscópios

Agudos; eletroencefalogramas; fios; campos do cérebro:
E o meu cérebro em lentidão desatenta.

Faz-se martírio o pensamento. Faz-se podridão o lamento.
E de nada nos serve os cálculos matemáticos

Para serem lidos, conferidos, apenas compilados
Em notas suaves de uma leve partitura de violino.

Mas o feto natimorto de meus neurônios tão discretos
Está submerso num líquido sujo de sangue e terra úmida.

Se minha mente prejudicada, acostumada às fantasias
Comovida com os pares de vozes que me destroem

O sono, as tardes, o dia todo; que cavam minha sepultura
Aquática, nesse rio corrente ao lado de minha cabaninha

Faço-me, agora, um desprovido de cabeça-que-pensa
E adentro meu lar eterno, o entremeio desse longo rio

Nu, em meio ao turbilhão de sentimentos avulsos
E desconexos. Farei de meu corpo alimento e lar para os peixes.

Que nesse meio de rio, entre suas margens, se faça a morada
De meu futuro tão lapidado de soluços, construções

Indistintas. (Levantarei a minha arte a arte. Deixarei
Meus quadros, esculturas e, também, minha densa poesia.)

Pois que de eterno se têm os homens que lapidam
E verificam seus dias mornos e sem sal

Para serem livres de amarras, grilhões de metal
Naufragando no rio laborioso do eterno.

Fechado para o pensamento desconexo e dificultoso
Far-me-ei de gás, líquido... Deixo de mim, o corpo sólido

Para ulular alturas, sulcar pedras do inconsciente
Nadar o rio e suas plantas submersas e verdes.

Que de mente despudorada e doentia
Tenho eu, oleiro das palavras belas, para cantar:

O sangue podre de um feto natimorto e deformado
Comendo a carne de meu próprio corpo e regurgitar

Os favos de mel que cultivarei até o tempo de se fazer recuperado.

(14/11/2013 – Ijuí)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

FADANDO O FADO

É com tristeza e com mil lágrimas;
é com mil lágrimas e com tristeza
que atravesso o meu destino aberto.
Como num rio, a nado, atravesso o meu fado.

Se por vontade de Deus, fazer-me assim:
terreno, laborioso e desprovido de tal beleza aguda
é que me faço desigual, humano e mentiroso —
revelando as aparências de um mundo putrefato.

É com engenho de poeta que faço esse canto;
fazendo esse canto é que testo o poeta engenhoso...

... (que há em mim)...

...ferida ardida que aprimora o meu sofrer.
E o meu sofrer que aprimora a ardida ferida.

(Sempre)

neste cantar de sofrimento e de ilusão,
pois é de ilusão e sofrimento esse cantar.
Cantar em que carrego comigo esse lamento
de fadar ao fado do peito essa mórbida paixão:

(que é a labuta de homem pelo amor e pelo pão).


(10/11/2013 – Santa Maria)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

OPACIDADE REFLETIDA

Se me cabe ao léu gritar alturas, infrutíferas árvores de amargor
E a chama que outrora ardia em meu peito aberto, fumegava
As gotículas de saliva derramadas pela boca suculenta hoje, agora
São marcas do vapor dos mares, que vêm e vão, sem direção exata.

Ouvi a voz dos sons cantando a longínqua abertura de um coração
Sem dó nem piedade eu fui cavando para achar lá dentro uma lacuna
Que poderá ser preenchida por minha agudeza e meu engenho
E se de nada basta para ti, ó vil desejo, de me fazer extremo e corrosivo:
Hei de morrer nas trevas do temor vivente, para ser usufruído
Sem o mínimo desejo. Pois na morte certa de um rútilo no entremeio
E as trevas piores das mais pútridas avenidas, hei de sofrer os piores castigos.

Que do amor real não tenho conhecimento. Sei mesmo é de um momento — Momento de fagulha em meio às chamas, brilho intenso em meio às trevas
Claridades ofuscadas, opacas facas afiadas, luminárias com lâmpadas queimadas.
Em que o céu é só de nuvens cinza, chuva sem cor, e o cão ladrando para o nada
Sem ter, na noite, a luz da lua, e nem sequer um osso para ser roído e devorado.

Era, o pássaro, a minha experiência: ser trinado livre, sem pudor, gorjeio meu
Espantando todo o risco, para ser ouvido ao fim da tarde ou ao fim do mundo.


(05/11/2013 – Santa Maria)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CORPÓREA

A Lua, presente em minha janela
Nela se faz completo o ar de vidro
Vaporoso, úmido. E nada poderá
Suster a minha ansiedade de ti
Para te antepor a minha vontade
De homem, tomando o meu corpo
Num longo gole de vinho tinto.

Coagulado o meu sangue na tua
Tigelinha de vidro escuro, tingido
Esqueço-me de me deter por segundo
Passando ao teu lugar, ao teu corpo
Tomando de ti o sibilante suspiro.

Nada se faz maior do que o Sol
Iluminando a viga e o cerne da poesia.


(31/10/2013 – Santa Maria)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ARTICULAÇÕES DE UMA VIDA EM LIBERDADE

I
Esse som é o terror cantando a minha aventura
Humana terrena. A minha pequenez estúpida de se dizer
E não poder compor um soneto, por ser contraditório.
(Os movimentos rotatórios, os ossos gastos da mandíbula
A aguda e profana vontade aniquilada de um gozo permanente
A penetração interrompida pela maldita ejaculação precoce
O palpitar da pulsação e o compasso acelerado do músculo cardíaco.)

Mas não eras tu que na madrugada gritava meu nome
Histérica, nua e molhada da chuva em frente a minha casa de pensão?
E os vizinhos velhos já punham a cara nas janelas para bisbilhotar.
O escândalo era armado. O meu pudor já fora deixado de lado.
Sim. E eu, de bermuda, saí ao relento da chuva. Banhávamos
Na umidade entregue por entre nossos abraços e beijos e excitações
Mas éramos tu e eu envoltos em névoa, banidos do sistema
Para viver a loucura da estrada aberta, como artérias que sangram
Por sobre uma mesa de cirurgia. Éramos nós que ouvíamos um dia
Mas agora destruímos o despertador. Eu, já por mim, abandonei
O meu aparelho de barbear para viver a loucura de estar à margem
De estar sendo profanado pelo comodismo e regras ridículas da sociedade.

Decidi viver por mim. Andar por mim. E morrer pelo amor.
Não sendo, sim, deixando de ser, para simplesmente existir.
E nas nuvens definhar meus últimos dias. Morrer de amor.
Sonhava eu, de pequeno, em um dia tocar um anjo. Um anjo branco
Alado, loiro, viçoso. Um anjo bom e protetor. Um anjo do senhor
Mas como sei que de uma vida desregrada e sem mistério
Vou ser mandado além do fundo, para o vil necrotério em chamas
E por final diluído no enxofre. Outrora a vida era melhor, ser louco
Por ser filho dos elementos naturais: “DO CARBONO E DO AMONÍACO”.
Deixo este testamento para ser visto; recitado na abertura de uma feira.
Deixar de ser terreno (hoje etéreo); deixar de ser vilão (hoje mocinho):

Para viver no eterno moinho de um mundo espiritual em que
Ainda sopram (uivando sem fim) os ventos.

II
Sorvi, na vida, calamidades pútridas mantidas sob minha pele.
Epiderme ressecada, profunda carne seca, manchas roxas dos pontapés.

Lasquei a pedra, coei o sumo. O gosto amargo da solidão tinha-me
Assolado e tornado duro.( Irrestrito, maldito, membro rígido.)
Na alcova de relva: membranas, barbatanas e cristas de galo.
Fui mantido por mim mesmo para ser um resultado especial
O excremento fétido de um mundo vil e mal, surdo e cego.
Nadei com minhas patas de pato, bebi do líquido sujo da tigela
E o nada fez sentido em minha vida quando me dei por entendido
De que a solidão por si nos mata, cava a cova e nos enterra.

Meu sonho era andar o mundo. Ser movido pela rebeldia
Correr pelas estradas sem um pingo de decência, o pudor
Sim, deixei-o no baú. Movi meus pés sem ter sapatos
Vesti minhas roupas estreladas, andei como anda uma barata
Rastejei nas profundezas dos mares, mastiguei os corais
Lambi o limo das pedras do rio, roí a roupa de um nobre na Idade Média.
De tudo já fui um tanto, não recebi nem processei as regras
Lastimado fui depositado numa cela suja, sem luz e saneamento
Por ter corrido nu, gritando os nomes feios (vozes de raiva.)
Acesso de loucuras contra a condição humana vil e podre
Deteriorado pela bebida, corroído pela droga.
Parei no limbo entre o nada e a sepultura (o nada grita.)

E nisso fui transmutado em liberdade: uma bandeira ao vento solto
O grito do revoltado, a mão cerrada ao soco, o cuspe de crueldade.


(30/10/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

AVES NOSSAS

Pássaros cansados, sobre o fio de eletricidade
Movidos pelo combustível do ar, mantidos
Pela pureza aguda, esgarçando suas penas
Maquinando a maquilagem rubro-amarelada
Do por do sol. Os pássaros que voaram nas nuvens
Sobrevoaram as cidades e o litoral; nadaram
A ebriedade líquida das estrelas; comeram
Os grãos da tolerância e viveram o néctar das folhas:

Com esses pássaros voei. Sorvi da vida aérea
As vilezas, e de minhas fezes líquidas degradei-as
Todas em pura felicidade humana: salpicando
Estatuas, bustos, bancos e calçadas dessa leve cagada
Monumental. Dizendo-me de andorinha a pardal
De humano constipado a essa esbranquiçada diarreia

Para ser uma pena plainando o vento — saindo do pombal.


(28/10/2013 — Ijuí)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

FAGOCITOSE

Vem! Que é minha a tristeza aguda, profana ferida
A dor de estar incompleto, angustiado, sem vida
Em que a loucura reclama sua parte do corpo
E toma, para sempre, a parte importante, um cérebro morto.

Vem! Que é minha a tristeza aguda, os sons inexatos
O nó da garganta, os raros batimentos cardíacos
A vontade de surpreender o seu próprio instinto
Comendo os miolos e os resíduos corpóreos de um rato.

Não venha! Pois que é minha essa estação.
Pois que é sua a condição de silêncio.
Pois que é nossa a vasta sala de um velório
Não bastando apenas o corpo: ossos em precisão.

Não venha! Pois que é minha a fissura do crânio.
Pois que é sua a armadura de metal duro.
Pois que é nossa a ventania do final da tarde
Trazendo-nos os últimos vícios da vida e os uivos dos mortos.

(Estêvão DeLarge & Érico Zardin)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

LUXURIANTE

Quem renderá os uivos histéricos
Olhando pela janela de um carro em movimento?

Ouvi os meus próprios uivos.
Cantei as minhas próprias cantigas.
Sorvi o meu próprio escárnio.
E sofri do meu próprio pecado.

A carne fresca do teu corpo, tenra e suculenta
Que se deita e umedece a minha cama
E torna-a um poço de luxuria, com flores
Perfumes e incensos. Assim se faz o nosso momento

Para sabermos estarmos sempre sendo
E a paixão volátil dessa carne sanguinolenta
E as mariposas nos bicos de luz opaca
Que no espelho criam um cintilante reflexo.

Deito assim, relaxado por sobre o teu corpo
E nele entrego o meu fino presente.

A voz, trêmula; o suspiro, fogoso; a fagulha, ardente.
E nada mais se repete. É a morte do corpo de um
Para renascer completamente no corpo do outro.


(22/10/2013 – Santa Maria)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

UMA PÁGINA AMASSADA

Porque te pareço frescor e luminosidade
É que por contrariedade faço-me sombra
E na maquinação do dia é que prefiro a noite.
E do amor eu sorvo a cor da carne: tenra e suculenta.

Amor maior eu tenho pela vida. Maldita fagulha —
Um dia apaga. E a cintilante voz que me aninha
É que há de sufocar-me na fria madrugada.

O oco. Vazio. A lua espreita e me chama
Como se eu me fosse apenas alma em meio ao corpo
Usurpado e úmido, o antes do zigoto, a célula primeira
(O espermatozoide ou o ovócito?)
Hei de ser um dia, não mais que um espírito complexo
Por ter pensado poesia e ter comido e bebido
E festejado e balbuciado longos versos de amor.

Mas não é a mim que a eternidade chama
É a outro alguém que em mim habita.
Outro que se chama O Sem Nome, O Sem Forma
Também, pois é gasoso. Mas hei de saber a hora certa
Em que meu corpo deixará de ser, para poder ser terra

E do pó hei-me de ser, para poder ter sido um dia
O amor de uma bela mulher, e ser perpetuado pela poesia.

(16/10/2013 – Ijuí)

domingo, 13 de outubro de 2013

MODERNO DESESPERO

Caminhante de vereda estreita
Movediça e astuta é a minha sina.

Maldita cavalgada sob meu fígado.
O rubro sangue, depois coagulado
Jorro de pus; excreções vis de meus
Rins; acaso de células cancerosas
E a morte espreitando a minha cama
Como quem vigia o lago, no escuro.

Caminhante eu sou da vereda estreita
Mas, no desvio, perco-me no bosque
Em que, cada lobo e serpente, prendem-me
E apreendem minha liberdade de homem
Para ser liberto o meu instinto de animal.

Cada gota de sangue derramada:
É uma lágrima a ser chorada. Cada sumo
A ser sorvido: é o fel da vida a ser bebido.

E depois da surra levada pelas pedras
Ao leito do rio a serem ouvidas
Deito nessa cama de ferro, um leito
Mórbido de hospital psiquiátrico
Por querer lutar com os gigantes
E ser derrotado pelos moinhos de vento.


(13/10/2013 – Ijuí)