quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ARTICULAÇÕES DE UMA VIDA EM LIBERDADE

I
Esse som é o terror cantando a minha aventura
Humana terrena. A minha pequenez estúpida de se dizer
E não poder compor um soneto, por ser contraditório.
(Os movimentos rotatórios, os ossos gastos da mandíbula
A aguda e profana vontade aniquilada de um gozo permanente
A penetração interrompida pela maldita ejaculação precoce
O palpitar da pulsação e o compasso acelerado do músculo cardíaco.)

Mas não eras tu que na madrugada gritava meu nome
Histérica, nua e molhada da chuva em frente a minha casa de pensão?
E os vizinhos velhos já punham a cara nas janelas para bisbilhotar.
O escândalo era armado. O meu pudor já fora deixado de lado.
Sim. E eu, de bermuda, saí ao relento da chuva. Banhávamos
Na umidade entregue por entre nossos abraços e beijos e excitações
Mas éramos tu e eu envoltos em névoa, banidos do sistema
Para viver a loucura da estrada aberta, como artérias que sangram
Por sobre uma mesa de cirurgia. Éramos nós que ouvíamos um dia
Mas agora destruímos o despertador. Eu, já por mim, abandonei
O meu aparelho de barbear para viver a loucura de estar à margem
De estar sendo profanado pelo comodismo e regras ridículas da sociedade.

Decidi viver por mim. Andar por mim. E morrer pelo amor.
Não sendo, sim, deixando de ser, para simplesmente existir.
E nas nuvens definhar meus últimos dias. Morrer de amor.
Sonhava eu, de pequeno, em um dia tocar um anjo. Um anjo branco
Alado, loiro, viçoso. Um anjo bom e protetor. Um anjo do senhor
Mas como sei que de uma vida desregrada e sem mistério
Vou ser mandado além do fundo, para o vil necrotério em chamas
E por final diluído no enxofre. Outrora a vida era melhor, ser louco
Por ser filho dos elementos naturais: “DO CARBONO E DO AMONÍACO”.
Deixo este testamento para ser visto; recitado na abertura de uma feira.
Deixar de ser terreno (hoje etéreo); deixar de ser vilão (hoje mocinho):

Para viver no eterno moinho de um mundo espiritual em que
Ainda sopram (uivando sem fim) os ventos.

II
Sorvi, na vida, calamidades pútridas mantidas sob minha pele.
Epiderme ressecada, profunda carne seca, manchas roxas dos pontapés.

Lasquei a pedra, coei o sumo. O gosto amargo da solidão tinha-me
Assolado e tornado duro.( Irrestrito, maldito, membro rígido.)
Na alcova de relva: membranas, barbatanas e cristas de galo.
Fui mantido por mim mesmo para ser um resultado especial
O excremento fétido de um mundo vil e mal, surdo e cego.
Nadei com minhas patas de pato, bebi do líquido sujo da tigela
E o nada fez sentido em minha vida quando me dei por entendido
De que a solidão por si nos mata, cava a cova e nos enterra.

Meu sonho era andar o mundo. Ser movido pela rebeldia
Correr pelas estradas sem um pingo de decência, o pudor
Sim, deixei-o no baú. Movi meus pés sem ter sapatos
Vesti minhas roupas estreladas, andei como anda uma barata
Rastejei nas profundezas dos mares, mastiguei os corais
Lambi o limo das pedras do rio, roí a roupa de um nobre na Idade Média.
De tudo já fui um tanto, não recebi nem processei as regras
Lastimado fui depositado numa cela suja, sem luz e saneamento
Por ter corrido nu, gritando os nomes feios (vozes de raiva.)
Acesso de loucuras contra a condição humana vil e podre
Deteriorado pela bebida, corroído pela droga.
Parei no limbo entre o nada e a sepultura (o nada grita.)

E nisso fui transmutado em liberdade: uma bandeira ao vento solto
O grito do revoltado, a mão cerrada ao soco, o cuspe de crueldade.


(30/10/2013 – Santa Maria)

Um comentário:

  1. Poeta!
    A vida cercada de momentos e por isso tantos viés e tantas situações onde defrontamos com barreiras e desejos.
    Viver é uma grande aventura!
    Parabéns!
    Admirador

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