quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Péssimos anos















Muitas vezes o pessimismo se instaura
e manipula nossos pensamentos a ponto
de que até a expectativa de um ano novo
se torna o horror de uma noite; além disso
o desespero, a discórdia e a solidão
são os pontos principais de que muitos
querem esquecer e esperar do próximo ano
somente coisas construtivas e boas,
mas para o pessimista será apenas um ano
de repetições mecânicas de mazelas,
doenças e disfunções mentais que em
todos os outros anos sempre estavam presentes
e nesse ponto de vista em todos eles estarão:
ano novo de novo, mas nunca nada novo.


(31/12/2015 – Ijuí)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Amor encefálico


















A lembrança de um amor encefálico
Com o misto das bebidas alcoólicas
Faz-me andar por alamedas escuras
Em semelhança a um bêbado alucinado;
E mesmo que eu ande por ruelas estreitas
Hei de lembrar a face sonhada
Continuando a caminhada pela cidade escura
No sonho de um vagabundo solitário.

Estando então a memória já fatigada,
Suando tal êxtase de ser desejado
Mesmo que em lembranças falhas:
Um abraço despido, um beijo acalorado,
Serei completamente um pária ambulante
Cantando em meus versos orgias inexistentes
Sorvendo promessas já nauseabundas
Regurgitando ácido e amores delinquentes.

Porém, mesmo que na fadiga noturna
Serei um fóssil catedrático da poesia pútrida
Recitarei versos de álcool e tabaco e prostitutas
Sentado à beira da linha observando os carros
Passarem em minha frente quase colidindo,
E mesmo que eu passe pelo vale da morte
Sentirei novamente amor encefálico por ela
Pelo simples fato da lembrança falsa do que tive.

Mesmo estando bêbado e caído na sarjeta
Rolo sobre os dejetos do mundo moderno
Sem medo de contrair qualquer doença;
Nunca terei filhos, eu sei disso e aceito,
Pois de sofrer do amor sempre fui fraco
Perdendo o verdadeiro por debaixo dos olhos
Mas dane-se! Findo a noite e a vida assim:
Relembrando, saudoso, este amor encefálico.


(12/12/2015 – Ijuí)

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Os cavalos










A putrefação dos corpos
Que lado a lado
Em agonia maior sabem da terra
O acidente químico dos agrotóxicos
Além um farol lunar, meu calcário.

Depois de a terra semeada
O ajuntamento do rebanho sobre o pasto.
O céu sobre nossas cabeças é o telhado,
Um pasto bem verde para o gado na engorda,
Para beber vem o regato carregado:
Tudo em um campo com seus lugares marcados.

Do plantio à pecuária:
A planta cresce, o gado engorda.
Da colheita ao corte:
Colhe-se a planta, abate-se o gado.
Tudo em seu campo vasto.

Lá na cova, passando a coxilha,
Depositado os corpos inertes,
Já sem vida, que não mais verão o dia,
Ao lado dos corpos, tem-se outro corpo
Que arremessando com a pá a terra seca
Alivia o cheiro mórbido e roliço de carniça,
E sem artes fúnebres enterra esses dois mortos
Que na moda velha foram protagonistas
Em guerras de cavalaria e também no arado.

É do frescor à soalheira,
É do relinchar ao silêncio,
É da vida à morte.

Os corpos em putrefação
Acomodados em vala comum
Sofreram da vida a carga pesada,
Souberam o exato labor da história,
Mas agora comerão o pó da terra
E nunca mais se juntarão debaixo do homem
Ao patamar da servidão. Agora a estes dois se tem:
A morte, o silêncio e a soalheira.

(30/11/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Tinta escarlate














Antes desconhecido, do que um grande imitador
repleto de vazios profanando a verdade.
Ao cabo de que minha vida busca o Outro Lado,
aquele decantado que habita o infinito.

E o meu labor se fazendo ócio
sem ter mais, buscando àquele Outro:
nada tendo para mim mesmo, o estado
de putrefação espiritual, crosta e ferida.

Sei mesmo que o amor estanque não move a alma,
incinera o coito despótico, mesmo estando em épocas de Carnaval,
e a tiragem inúmera de malfadados volumes
bem sabendo que não venderá um terço da tiragem original.

Mas cabe a mim outra ramagem?
Estar sendo observado por alguém outro
que habita outra pastagem, o invisível do entremeio.

Sei que ele tem morada no Outro Lado
e tem se deformado por ideias quais nunca explicarei,
mas a cantiga roda o mundo material, e nunca saberei se por ventura
poderia ter cantado àquele Outro

com a voz de dentro, enlouquecendo o mundo cá fora.

E a maquilagem lunar, rarefeita,
sem termos tempo para o futuro que promete
e ter maior apreço pelo presente, o agora,
sem nunca termos nadado à outra margem
e sermos amaldiçoados por não termos buscado o Outro Lado

talvez na paz do corpo inerte, ou no copular ardente do escarlate.


(Sem Data)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Propagação













No murmurejo eu me componho,
punhos cerrados,
dores nos olhos,
o velho estado de idades ermas e solitárias.

O Tempo, meu pai,
este que desata o nó dos antigos infortúnios.
Meu pai?
Ah, pai! Levaste-me para longe de mim
e aqui eu danço, fornico a paisagem,
descamo e desfolho as flores
de tão promiscuo que sou por tu seres, também.

Pai, tu me fizeste com júbilo, então
sou o descompasso da matéria,
sou o viço e a cor do inominável.
Eu sou o imperceptível.

Sou o oposto de ti, pai.

Nadei a dor como os humanos em um rio corrente,
sangrei o mel como os humanos o sangue quente.

“E agora, filho?”

Agora eu sorvo as moléculas do orvalho,
vejo o nascer e o morrer
de um sol que nunca, jamais existiu,
e disparo cusparadas para mostrar-lhe
que os segundos do seu relógio vital
são meros trechos de ti que não alteram
nem alterarão o meu processo de crescimento:

eu sou o filho bastardo do Tempo.


(08/10/2015 – Santa Maria)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Aura













Quando a olho,
Nem por isso muitas vezes a vejo.
É o sentir-se condensado,
Manipulado arduamente,
Para que na pouca distância
Meus olhos sejam capazes de ver.

E meus olhos cegados, tentam ver pela audição
Sua voz loquaz, singela,
Mas mesmo assim não vejo o que dizes;
Meus olhos cegos e surdos.
Nem sussurra, nem grita,
Ela apenas fala, e fala coisas de que não entendo.

O amor será que é isto?

A pouca razão de não poder ver, nem ouvir
Distancia as minhas mãos do toque
E elas sempre estão limpas,
As minhas mãos sempre macias,
As minhas mãos,
As minhas mãos limpas e macias.

E, à noite, parece que as coisas mudam,
Cada um em uma extremidade da cidade:
Dormindo? Talvez. Sonhando? Sabe-se lá.
Ardendo de amor? Muito provavelmente.

Porém, quando surge o som do telefone,
Uma ligação inesperada; olho ao visor,
E nele está o seu número, contudo não o quero atender,
Mas o atendo, consumindo minha carga de remorso:
Respondo com uma palavra, e tudo se acaba;
É a finalização espontânea de um dia qualquer.

Outro dia nos falaremos, noutro dia nos veremos
E, no abraço, conterá a paz celeste,
Trocaremos monossílabos, o pranto será inevitável,
Mas antes disso, quando entro no local marcado:
Não a posso ver, não a posso ouvir; porém
Eu posso sentir sua aura imaculada pela minha alma.

Minhas mãos limpas e macias predominam-se a todos os sentidos:
Meus olhos cegos que não a veem, ensurdecidos
Que não a veem dizer, mas minhas mãos limpas e macias
Tanto podem a sentir, como com elas
Escreverei meu último poema, e a história da vida,
(Exato, da vida), da vida que eu adoraria ter vivido, mas não pude.


(Santa Maria – 09/09/2015)

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A dança












Não nego.
Não,
Nunca negarei os amores.
Não, nunca os amores que tive serão negados.

E mesmo que eu ande no vale, e a morte ao meu encalço;
Ah! que amores eu tive e não os soube aproveitar.
E, Deus, que maravilha a recordação das mãos enlaçadas,
Dos arrepios da nuca,
Das trocas de olhares.

Não nego.
Não,
Nunca negarei que fui precipitado.
Não, nunca a precipitação será negada.

E mesmo que as dores da vida ativem meu senso de ser,
Que as cores da vida me sejam ainda o sem cor do futuro,
Que os vícios linguísticos me façam um poeta menor:
Perdoes-me, se poeta eu sou, é por ti,
E por ti eu me tornei a carne que sou,
A alma que tenho,
A essência das cores de minha face, a nódoa de sangue em meu peito.

E não mais.
Entrego-me enfim aos confins de mim mesmo
Já que a precipitação acabara com o amor que eu tive.
Então eu danço,
Eu danço noite afora, sem sentidos,
Regurgitando devaneios de um amor que agora aflora.

E que não tarda a ser destruído pela minha precipitação.
Aflora a flor, morre, então, o poeta
Dentro de si mesmo,
Consigo mesmo,
Dançando, enfim...

(28/08/2015 – Ijuí)

sábado, 15 de agosto de 2015

Num dia azul
















Um dia azul, mais um dia azul,
E mais um dia de minha boca sem a tua boca:
Esse dia azul, não menos melancólico que um dia cinza.

Dias cinza, de solidão penetrante
Que adentram tão profundamente
Dias em que chego a pensar em uma morte lenta e dolorosa.
Dias cinza, mas este azul?

Sei bem que, em um dia azul, tu poderias estar aqui comigo,
Mas não está, não mais.
Contentamento dissipou-se.
Satisfação, ah! nem sei mais o que é isso...

Nesse dia azul, bom para passeios à praia,
Mas não, tu não estás mais aqui comigo
E eu ainda sinto a textura de sua língua,
O doce afago de sua mão em minha nuca,
As borboletas no estômago, o frio na espinha,
O calmo som do mar ao redor.

Eu tinha sossego, escrevia muito,
Mas agora, não.
São raros poemas, pouca sorte e muita saudade.
São devaneios longínquos em minha mente doentia:
Uma taça de vinho, um jantar a luz de velas,
Um pacote de pipoca para uma sessão de cinema.

O que eu fiz à sorte? Ela só me traz solidão.
E o meu amor não era menor,
O meu amor era o meu amor
E tudo o que eu fiz foi por amor.
Deixei de amar, deixei de sentir;
Hoje apenas existo pelo tenro fio de raciocínios:
Não sou nada.

Quem dera o dia fosse cinza, frio, com muito vento:
Eu beberia vinho, acenderia velas para o jantar,
Depois assistiria a um filme preto-e-branco,
Pois hoje eu não te celebro,
Hoje eu não me recordo de nada.
Agora sou eu:
Eu, num dia azul, celebrando a mim mesmo.

(15/08/2015 – Ijuí)

sábado, 8 de agosto de 2015

Aqui dentro (ao som de uma canção feita por mim)













Dentro de mim mesmo eu danço a noite toda comigo mesmo.
Eu existo neste mundo partindo e voltando, rodopiando, dentro de mim,
E também fora, como se a louca noite não tivesse fim... e tu, aí fora,
Observando a dança macabra, alucinada e dividida em partes iguais,
Pois eu sempre havia sido bom em cálculo, mas agora sou imprestável
Apenas sirvo realmente pra poesia... e que poesia... se é que eu posso servir
Para artes poéticas. Nunca escrevi uma linha em prosa, minhas narrativas
Eu as sempre vivi, observei muito ao meu redor e não tenho mais nada.

Cansado de dançar comigo mesmo, eu olho ao redor e tu vens até mim,
Pensa que eu não estou bem dos parafusos e o grito é tamanho,
Mas eu não ligo, eu gosto de conversar comigo mesmo,
Consigo debater política, debater literatura e artes plásticas,
Consigo debater arquitetura, consigo debater... enfim...
E tu me olhas com olhos atentos, captando todos os movimentos
De minha face, e com os ouvidos captura as notas musicais da minha oratória.
Eu gosto de falar, ainda mais comigo mesmo, eu gosto de gravar a minha fala
E depois ouvi-la, rebobinar, ouvir novamente e ir treinando a dicção.

Sentado, agora, ao teu lado, com o doce som do vento que passa em redor,
Mas eu tenho medo de ti... será que morde e não solta... eu tenho medo,
Tenho muito medo desta vida alucinada, aí, pelos porões do inconsciente,
E todos me deixam na obrigação de vasculhar todo o entulho, porém eu ainda
Não joguei nada fora... há um mundo dentro de nós mesmos, e ainda é bom,
Continua sendo melhor habitável do que o lado de fora de nós mesmos.

A alma não tem cor, não tem cheiro e não tem sabor, e eu adoro cantar,
Cantar a minha própria canção que fiz para mim mesmo, a lira é fluente.
Ali dentro, dentro de mim mesmo, eu falo meu próprio idioma,
Eu o criei e solidifiquei, sendo seu único falante... que tenho de louco?
Acho que de louco eu tenho tudo... comprei uma maleta... quer ver?
Tudo bem... pode ser contagioso! Enfim te indago, minha querida,

Há algo melhor do que dançar ao som de uma canção que se faz a si mesmo?


(07/08/2015 – Ijuí)

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Nos covis




















Cantos represados nos covis da alma
E nada para se saber em estado de vida.
Continuamos a busca, a longa busca por verdades
Essas que não possuímos, nem nunca possuiremos.
Se tivéssemos a chance de os olhos verem
O além do compreensível, este que está
Para os treinados olhos umedecidos
Não vemos, não temos mais o que comer.
Continuamos a represar os cantos nos covis da alma
E nada temos para suprimir sofrimento
Que soltemos esses cantos para a vida
E nunca mais lancemos sequer lamento.


(22/07/2015 – Ijuí)

terça-feira, 7 de julho de 2015

Fuzilamento













Artilharia... FOGO!
Abrimos as mãos, os braços estendidos
Som abrupto de estampidos, não sentimos os tiros
Foram tantos, de todos os cantos da insídia
Que olvidamos a morte, ela não veio?

Sobre tua grande face
A grande face de teu ser
Não fitei traços de dor, nem medo, vi
Apenas o esquecimento, esse que nada por entre o sangue
De rubor secante à umidade dos lábios. A pólvora queimou.

Sem ter pé, o fundo do poço um possível esconderijo.

Nossos lodos enigmáticos naufragados ao sangue
Do corpo. Tudo, tentativa de boiar além
Sendo reféns de nossas próprias armadilhas.
Cravos escarlates em nossos palmas
Fomos nós, no inominável
Que cavamos o poço; agora afogamo-nos ao seu todo.
Corpos sem vida a boiar!

Anuncia-se o cessar-fogo.
Sentido, soldados!


(05/07/2015 – Ijuí)