sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A dança












Não nego.
Não,
Nunca negarei os amores.
Não, nunca os amores que tive serão negados.

E mesmo que eu ande no vale, e a morte ao meu encalço;
Ah! que amores eu tive e não os soube aproveitar.
E, Deus, que maravilha a recordação das mãos enlaçadas,
Dos arrepios da nuca,
Das trocas de olhares.

Não nego.
Não,
Nunca negarei que fui precipitado.
Não, nunca a precipitação será negada.

E mesmo que as dores da vida ativem meu senso de ser,
Que as cores da vida me sejam ainda o sem cor do futuro,
Que os vícios linguísticos me façam um poeta menor:
Perdoes-me, se poeta eu sou, é por ti,
E por ti eu me tornei a carne que sou,
A alma que tenho,
A essência das cores de minha face, a nódoa de sangue em meu peito.

E não mais.
Entrego-me enfim aos confins de mim mesmo
Já que a precipitação acabara com o amor que eu tive.
Então eu danço,
Eu danço noite afora, sem sentidos,
Regurgitando devaneios de um amor que agora aflora.

E que não tarda a ser destruído pela minha precipitação.
Aflora a flor, morre, então, o poeta
Dentro de si mesmo,
Consigo mesmo,
Dançando, enfim...

(28/08/2015 – Ijuí)

sábado, 15 de agosto de 2015

Num dia azul
















Um dia azul, mais um dia azul,
E mais um dia de minha boca sem a tua boca:
Esse dia azul, não menos melancólico que um dia cinza.

Dias cinza, de solidão penetrante
Que adentram tão profundamente
Dias em que chego a pensar em uma morte lenta e dolorosa.
Dias cinza, mas este azul?

Sei bem que, em um dia azul, tu poderias estar aqui comigo,
Mas não está, não mais.
Contentamento dissipou-se.
Satisfação, ah! nem sei mais o que é isso...

Nesse dia azul, bom para passeios à praia,
Mas não, tu não estás mais aqui comigo
E eu ainda sinto a textura de sua língua,
O doce afago de sua mão em minha nuca,
As borboletas no estômago, o frio na espinha,
O calmo som do mar ao redor.

Eu tinha sossego, escrevia muito,
Mas agora, não.
São raros poemas, pouca sorte e muita saudade.
São devaneios longínquos em minha mente doentia:
Uma taça de vinho, um jantar a luz de velas,
Um pacote de pipoca para uma sessão de cinema.

O que eu fiz à sorte? Ela só me traz solidão.
E o meu amor não era menor,
O meu amor era o meu amor
E tudo o que eu fiz foi por amor.
Deixei de amar, deixei de sentir;
Hoje apenas existo pelo tenro fio de raciocínios:
Não sou nada.

Quem dera o dia fosse cinza, frio, com muito vento:
Eu beberia vinho, acenderia velas para o jantar,
Depois assistiria a um filme preto-e-branco,
Pois hoje eu não te celebro,
Hoje eu não me recordo de nada.
Agora sou eu:
Eu, num dia azul, celebrando a mim mesmo.

(15/08/2015 – Ijuí)

sábado, 8 de agosto de 2015

Aqui dentro (ao som de uma canção feita por mim)













Dentro de mim mesmo eu danço a noite toda comigo mesmo.
Eu existo neste mundo partindo e voltando, rodopiando, dentro de mim,
E também fora, como se a louca noite não tivesse fim... e tu, aí fora,
Observando a dança macabra, alucinada e dividida em partes iguais,
Pois eu sempre havia sido bom em cálculo, mas agora sou imprestável
Apenas sirvo realmente pra poesia... e que poesia... se é que eu posso servir
Para artes poéticas. Nunca escrevi uma linha em prosa, minhas narrativas
Eu as sempre vivi, observei muito ao meu redor e não tenho mais nada.

Cansado de dançar comigo mesmo, eu olho ao redor e tu vens até mim,
Pensa que eu não estou bem dos parafusos e o grito é tamanho,
Mas eu não ligo, eu gosto de conversar comigo mesmo,
Consigo debater política, debater literatura e artes plásticas,
Consigo debater arquitetura, consigo debater... enfim...
E tu me olhas com olhos atentos, captando todos os movimentos
De minha face, e com os ouvidos captura as notas musicais da minha oratória.
Eu gosto de falar, ainda mais comigo mesmo, eu gosto de gravar a minha fala
E depois ouvi-la, rebobinar, ouvir novamente e ir treinando a dicção.

Sentado, agora, ao teu lado, com o doce som do vento que passa em redor,
Mas eu tenho medo de ti... será que morde e não solta... eu tenho medo,
Tenho muito medo desta vida alucinada, aí, pelos porões do inconsciente,
E todos me deixam na obrigação de vasculhar todo o entulho, porém eu ainda
Não joguei nada fora... há um mundo dentro de nós mesmos, e ainda é bom,
Continua sendo melhor habitável do que o lado de fora de nós mesmos.

A alma não tem cor, não tem cheiro e não tem sabor, e eu adoro cantar,
Cantar a minha própria canção que fiz para mim mesmo, a lira é fluente.
Ali dentro, dentro de mim mesmo, eu falo meu próprio idioma,
Eu o criei e solidifiquei, sendo seu único falante... que tenho de louco?
Acho que de louco eu tenho tudo... comprei uma maleta... quer ver?
Tudo bem... pode ser contagioso! Enfim te indago, minha querida,

Há algo melhor do que dançar ao som de uma canção que se faz a si mesmo?


(07/08/2015 – Ijuí)