segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

temperatura
















como o vento balança o receptáculo
mas o vento amansa
o vento dança em teus cabelos
o vento vive em nossos movimentos
o vento canta
o cantar do vento e ao longe o choro sumarento
mesmo quando a vida avança
com o tempo
vemos o invisível do vento/tempo
balançar os teus longos cabelos
e quando o fogo avança
meu ego entra na dança
e faz folia no salão
saguão de memórias retilíneas
minhas veias finas
sem material
vou como quem voa pela primeira vez
sento
e firmo as mãos nos braços da poltrona
o tempo não passa, mas aos poucos vai soprando
ele venta, e a ventania do tempo quando chega
são as memórias resgatadas
de um universo que não se sabia mais
acho que o tempo venta
acho que o vento tenta
acho que o tempo transpassa
acho que o vento aguenta
não falha
ainda mais quando o vento assoma
e passa para bagunçar e dançar nos teus longos cabelos


(26/12/2016 – Ijuí)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

máscara














debaixo da máscara
um eu desabitado
desbotado
tingido de invisibilidade

cativante é a voz do outro em mim
e da outra personalidade
quando o que se mais deseja
é o conforto de um cântaro decantado
e transbordante

mas viemos a isso
quando o sangue passa à tinta
quando as vísceras são alimento
quando a poesia é existente
em nosso interior já moribundo

passamos de entes estagnados
a um universo liberto e volátil
poeticamente visceral de se ser
de se estar, de mudar o de dentro
e destruir a máscara de gesso
no instante da regurgitação verbal
ou da verborragia desenfreada
do poeta/ser


(20/12/2016 – Ijuí)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

quanto cabe

quanto cabe dentro do peito
se o pútrido abismo habita
o meu ser?
e estar sendo como sempre
aberto a sugestões implacáveis
que fazem de mim o que eu nunca havia sonhado
ser volúvel
bem ou mal
as coisas surgem
invadem o meu dia e eu não sou mais
eu
sou
o que você sempre desejou, mas que
hoje
rechaça, pisa e dilacera
com olhares dissimulados
lágrimas se mostram
com a tua boca encantatória
umedecida outrora com nossos beijos
com o teu corpo que imagino quente
quando dos primeiros toques
e
dos segundos
e agora que tudo se torna pó
o universo insiste em soprar tudo para o além


(16/12/2016 – Ijuí)

domingo, 4 de dezembro de 2016

Gullar

















A hera cresce monótona
por entre os paralelepípedos irregulares
Meus sonhos não passam de ilusões
e meu presente é turbulento, o futuro: imprevisível

A noite cresce amarga de tristeza
O poeta viveu seu tempo
e agora descansa em paz no infinito do outro tempo
Ficamos solitários nesse agrupamento
chamado mundo
As peras apodrecem na tigela
e eu sozinho modifico as moléculas de um poema

Vai, poeta, viver no eterno entremeio
de versos que criaste para o mundo
ele é devidamente seu agora e para sempre


(04/12/2016 – Ijuí)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

psicologia














a vez do outro
cá dentro em mim
tomar posse da vida
em curso, enquanto o universo
todo converge para o nada.

o outro enfim decantado
canta o que nunca foi cantado
e habitando o inabitável eu
pronunciando o impronunciável
faz de mim agora o nada
para qual todo universo converge
e ficando desabitado de mim/outro.

o eu/que-fui se esvai às lufadas
e o outro/eu-agora passa a ser o monarca
o rei da vida que nunca almejei
mas que o meu ser passa a viver/presente/fato.

à morte um chamamento
ouço ruído de meu eu/pretérito-atento
mas cauterizadas as feridas, antes purulentas
amordaçado o eu/futuro e refrigerado
o novo senhor de meu esquife terrestre
as mandíbulas exatas no discurso de posse
sigo ao rumo das reformas ego-espirituais.


(16/11/2016 – Ijuí)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

meu amor é teu, Julieta













meu amor é teu, Julieta
bela no alto a colina a minha espera
mas o caminho é torto
e a minha visão baça
como se estivesses ainda mais longe
quando mais eu me aproximo.

Julieta de olhos vivos
paixão em teus cabelos
desfazendo os novelos
e ainda assim manipulando o meu olhar.

se não tivesses tal comportamento
enfrentaria a chuva e o vento
o mar bravio e visitaria o paraíso
por ti, Julieta, entregaria minha vida
por ti, Julieta, morreria sorrindo.


(08/11/2016 – Ijuí)

sábado, 5 de novembro de 2016

calabouço













calabouço de fantasias
eu em meu mundo imaginário
quando as mãos tremem
a boca geme e os olhos cegam
morre um e mais um e mais um
acabando que só eu não vim à morrer
e o grande mistério é de eu ter sobrevivido
quando o que mais desejava era estar do outro lado
sobrevivi em meu calabouço de fantasias.


(05/11/2016 – Ijuí)

sábado, 1 de outubro de 2016

o peso














o peso da faca no punho
retalhando a epiderme
rompendo os vasos sanguíneos
em detrimento de um mundo ilusório
com a partida de uma agonia sufocante
a fissura, o sangue e a cor
sorri-me no espelho quebrado
a mulher que eu nunca pude amar


(01/10/2016 – Ijuí)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

vejo
















vejo
muito mais, além
de um par de olhos
neste teu rosto
florido;
a tua boca, minha poesia
sumarenta;
e hei de
cantar os cantos,
e
hei de
tocar a lira
para, na densidade da noite,
usar do verbo-corpo que
delira.


(29/09/2016 – Ijuí)

incompreendidos
















é licito me dizer que amor não há
e mesmo que o passar dos dias,
o avançar das horas, longas horas,
em deferimento de minhas barbas longas
o inverno há de passar e com ele as lembranças.

ser feito fogo que se apaga,
o peito em brasa que se esfria.

o inverno há de passar e com ele a saudade.
o esquecimento é bom proveito
ele lhe tira aquilo que nunca lhe pertenceu.

é licito dizer que a vida avança
e mesmo que não se entre na dança
a música não se repetirá,
e o refrão uníssono ao espetáculo do auditório
mostrará que o devaneio é um meio artístico;

proferir a dança deduz-se um par,
mas eu não danço, eu nunca dancei,
apenas tive ensinamentos de violino e piano,
quando o divertimento era o violão e a guitarra.

o inverno há de passar e com ele a melancolia.
melancólico é o pensamento quando lembra os lábios teus,
quando em sonho se põe a tocar a tua tez,
quando desperto tocaria teu peito com meu peito
e sentiria o profano pulsar do coração medonho.

hoje posso dizer que não vivi.
nunca vivi. sou apenas o eco seco gritado
ao fundo de uma caverna, um eco só,
fatigado e rude que nada diz
apenas sente a solidão úmida do esticado tempo.

o tempo que traz de si o som do nosso fim.
— “temos alguma reação a isso?... temos modo de reagir?”
já disse Bandeira: — “não. a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”.
triste fim para quem ama, bom começo para quem raciocina.

(24/08/2016 – Ijuí)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

a plenitude














a plenitude exasperada
pelo escapismo do intelecto
somos vistos como seres
quando o que realmente somos
é o nada que plaina involuntário
sangue que se escorre de ferida aberta
vozes cravadas na carapaça
óssea do tempo que foi e que virá.


(12/09/2016 – Ijuí)

sábado, 13 de agosto de 2016

A força














a força para crer na transcendência
de estar ao lado do verdugo e a guilhotina
quando o corpo sumarento derramar
o véu de sangue, ouvir-se-ia poemas
entoados por vozes de outros mundos
e o enaltecimento da verdade
e o complicado dom de atender aos chamados
morreria em júbilo e gozo atentos
para com a inaptidão de uma vida mecanizada
saibamos olhar além do véu em nossos olhos
e descobriremos, com isso, a verdadeira
face de uma eternidade com o tempo


(13/08/2016 – Ijuí)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Tchaikovsky














Tchaikovsky rege a madrugada de inverno
é como se eu estivesse em estado de contemplação
meus sentidos se aguçam e deterioram ao mesmo tempo
quando ouço, sinto e capto todos os floreios da flauta
o ressoar dos violinos, a percussão marcante

e eu deixo de minhas mazelas para ser outro
outra realidade, outra forma de vida
sendo outro quando as coisas permanecem em seus devidos lugares
o outro dentro de mim que principia a tomar o controle

Tchaikovsky ajuda-o a mover-se por entre as engrenagens
de um corpo sem movimento ao movimento da sinfonia
e quando o outro começa seu percurso a música torna-se mais viva
pois o outro e eu estamos na total e completa sintonia


(05/08/2016 – Ijuí) 

domingo, 31 de julho de 2016

um corpo morto












um corpo morto
apenas um corpo morto
com gengivas e braços em sangue
quando os cortes abruptos romperam as veias
e o corpo morto transcendeu
metamorfoseou-se em éter
e passou a viver nas masmorras da memória
quando o lembrar é místico
e o armamento pesado é feito de ossos
cartilagens e vozes roucas e deslocadas.


(31/07/2016 – Ijuí)

domingo, 24 de julho de 2016

o que resta à vida















o que resta à vida senão o canto?
este canto que ninguém compôs
mas que as mãos do tempo teceram
o fino manto do tempo à vida, ao mundo
e estando mudo ao firmamento
aves multicores ao arrebol
não sinto medo, nem asco
sinto o amor se esvaindo ao surgir da noite
o sangue sem corpo
o assassínio sem cúmplice
a morte sem dano.


(24/07/2016 – Ijuí)