quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CORPÓREA

A Lua, presente em minha janela
Nela se faz completo o ar de vidro
Vaporoso, úmido. E nada poderá
Suster a minha ansiedade de ti
Para te antepor a minha vontade
De homem, tomando o meu corpo
Num longo gole de vinho tinto.

Coagulado o meu sangue na tua
Tigelinha de vidro escuro, tingido
Esqueço-me de me deter por segundo
Passando ao teu lugar, ao teu corpo
Tomando de ti o sibilante suspiro.

Nada se faz maior do que o Sol
Iluminando a viga e o cerne da poesia.


(31/10/2013 – Santa Maria)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ARTICULAÇÕES DE UMA VIDA EM LIBERDADE

I
Esse som é o terror cantando a minha aventura
Humana terrena. A minha pequenez estúpida de se dizer
E não poder compor um soneto, por ser contraditório.
(Os movimentos rotatórios, os ossos gastos da mandíbula
A aguda e profana vontade aniquilada de um gozo permanente
A penetração interrompida pela maldita ejaculação precoce
O palpitar da pulsação e o compasso acelerado do músculo cardíaco.)

Mas não eras tu que na madrugada gritava meu nome
Histérica, nua e molhada da chuva em frente a minha casa de pensão?
E os vizinhos velhos já punham a cara nas janelas para bisbilhotar.
O escândalo era armado. O meu pudor já fora deixado de lado.
Sim. E eu, de bermuda, saí ao relento da chuva. Banhávamos
Na umidade entregue por entre nossos abraços e beijos e excitações
Mas éramos tu e eu envoltos em névoa, banidos do sistema
Para viver a loucura da estrada aberta, como artérias que sangram
Por sobre uma mesa de cirurgia. Éramos nós que ouvíamos um dia
Mas agora destruímos o despertador. Eu, já por mim, abandonei
O meu aparelho de barbear para viver a loucura de estar à margem
De estar sendo profanado pelo comodismo e regras ridículas da sociedade.

Decidi viver por mim. Andar por mim. E morrer pelo amor.
Não sendo, sim, deixando de ser, para simplesmente existir.
E nas nuvens definhar meus últimos dias. Morrer de amor.
Sonhava eu, de pequeno, em um dia tocar um anjo. Um anjo branco
Alado, loiro, viçoso. Um anjo bom e protetor. Um anjo do senhor
Mas como sei que de uma vida desregrada e sem mistério
Vou ser mandado além do fundo, para o vil necrotério em chamas
E por final diluído no enxofre. Outrora a vida era melhor, ser louco
Por ser filho dos elementos naturais: “DO CARBONO E DO AMONÍACO”.
Deixo este testamento para ser visto; recitado na abertura de uma feira.
Deixar de ser terreno (hoje etéreo); deixar de ser vilão (hoje mocinho):

Para viver no eterno moinho de um mundo espiritual em que
Ainda sopram (uivando sem fim) os ventos.

II
Sorvi, na vida, calamidades pútridas mantidas sob minha pele.
Epiderme ressecada, profunda carne seca, manchas roxas dos pontapés.

Lasquei a pedra, coei o sumo. O gosto amargo da solidão tinha-me
Assolado e tornado duro.( Irrestrito, maldito, membro rígido.)
Na alcova de relva: membranas, barbatanas e cristas de galo.
Fui mantido por mim mesmo para ser um resultado especial
O excremento fétido de um mundo vil e mal, surdo e cego.
Nadei com minhas patas de pato, bebi do líquido sujo da tigela
E o nada fez sentido em minha vida quando me dei por entendido
De que a solidão por si nos mata, cava a cova e nos enterra.

Meu sonho era andar o mundo. Ser movido pela rebeldia
Correr pelas estradas sem um pingo de decência, o pudor
Sim, deixei-o no baú. Movi meus pés sem ter sapatos
Vesti minhas roupas estreladas, andei como anda uma barata
Rastejei nas profundezas dos mares, mastiguei os corais
Lambi o limo das pedras do rio, roí a roupa de um nobre na Idade Média.
De tudo já fui um tanto, não recebi nem processei as regras
Lastimado fui depositado numa cela suja, sem luz e saneamento
Por ter corrido nu, gritando os nomes feios (vozes de raiva.)
Acesso de loucuras contra a condição humana vil e podre
Deteriorado pela bebida, corroído pela droga.
Parei no limbo entre o nada e a sepultura (o nada grita.)

E nisso fui transmutado em liberdade: uma bandeira ao vento solto
O grito do revoltado, a mão cerrada ao soco, o cuspe de crueldade.


(30/10/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

AVES NOSSAS

Pássaros cansados, sobre o fio de eletricidade
Movidos pelo combustível do ar, mantidos
Pela pureza aguda, esgarçando suas penas
Maquinando a maquilagem rubro-amarelada
Do por do sol. Os pássaros que voaram nas nuvens
Sobrevoaram as cidades e o litoral; nadaram
A ebriedade líquida das estrelas; comeram
Os grãos da tolerância e viveram o néctar das folhas:

Com esses pássaros voei. Sorvi da vida aérea
As vilezas, e de minhas fezes líquidas degradei-as
Todas em pura felicidade humana: salpicando
Estatuas, bustos, bancos e calçadas dessa leve cagada
Monumental. Dizendo-me de andorinha a pardal
De humano constipado a essa esbranquiçada diarreia

Para ser uma pena plainando o vento — saindo do pombal.


(28/10/2013 — Ijuí)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

FAGOCITOSE

Vem! Que é minha a tristeza aguda, profana ferida
A dor de estar incompleto, angustiado, sem vida
Em que a loucura reclama sua parte do corpo
E toma, para sempre, a parte importante, um cérebro morto.

Vem! Que é minha a tristeza aguda, os sons inexatos
O nó da garganta, os raros batimentos cardíacos
A vontade de surpreender o seu próprio instinto
Comendo os miolos e os resíduos corpóreos de um rato.

Não venha! Pois que é minha essa estação.
Pois que é sua a condição de silêncio.
Pois que é nossa a vasta sala de um velório
Não bastando apenas o corpo: ossos em precisão.

Não venha! Pois que é minha a fissura do crânio.
Pois que é sua a armadura de metal duro.
Pois que é nossa a ventania do final da tarde
Trazendo-nos os últimos vícios da vida e os uivos dos mortos.

(Estêvão DeLarge & Érico Zardin)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

LUXURIANTE

Quem renderá os uivos histéricos
Olhando pela janela de um carro em movimento?

Ouvi os meus próprios uivos.
Cantei as minhas próprias cantigas.
Sorvi o meu próprio escárnio.
E sofri do meu próprio pecado.

A carne fresca do teu corpo, tenra e suculenta
Que se deita e umedece a minha cama
E torna-a um poço de luxuria, com flores
Perfumes e incensos. Assim se faz o nosso momento

Para sabermos estarmos sempre sendo
E a paixão volátil dessa carne sanguinolenta
E as mariposas nos bicos de luz opaca
Que no espelho criam um cintilante reflexo.

Deito assim, relaxado por sobre o teu corpo
E nele entrego o meu fino presente.

A voz, trêmula; o suspiro, fogoso; a fagulha, ardente.
E nada mais se repete. É a morte do corpo de um
Para renascer completamente no corpo do outro.


(22/10/2013 – Santa Maria)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

UMA PÁGINA AMASSADA

Porque te pareço frescor e luminosidade
É que por contrariedade faço-me sombra
E na maquinação do dia é que prefiro a noite.
E do amor eu sorvo a cor da carne: tenra e suculenta.

Amor maior eu tenho pela vida. Maldita fagulha —
Um dia apaga. E a cintilante voz que me aninha
É que há de sufocar-me na fria madrugada.

O oco. Vazio. A lua espreita e me chama
Como se eu me fosse apenas alma em meio ao corpo
Usurpado e úmido, o antes do zigoto, a célula primeira
(O espermatozoide ou o ovócito?)
Hei de ser um dia, não mais que um espírito complexo
Por ter pensado poesia e ter comido e bebido
E festejado e balbuciado longos versos de amor.

Mas não é a mim que a eternidade chama
É a outro alguém que em mim habita.
Outro que se chama O Sem Nome, O Sem Forma
Também, pois é gasoso. Mas hei de saber a hora certa
Em que meu corpo deixará de ser, para poder ser terra

E do pó hei-me de ser, para poder ter sido um dia
O amor de uma bela mulher, e ser perpetuado pela poesia.

(16/10/2013 – Ijuí)

domingo, 13 de outubro de 2013

MODERNO DESESPERO

Caminhante de vereda estreita
Movediça e astuta é a minha sina.

Maldita cavalgada sob meu fígado.
O rubro sangue, depois coagulado
Jorro de pus; excreções vis de meus
Rins; acaso de células cancerosas
E a morte espreitando a minha cama
Como quem vigia o lago, no escuro.

Caminhante eu sou da vereda estreita
Mas, no desvio, perco-me no bosque
Em que, cada lobo e serpente, prendem-me
E apreendem minha liberdade de homem
Para ser liberto o meu instinto de animal.

Cada gota de sangue derramada:
É uma lágrima a ser chorada. Cada sumo
A ser sorvido: é o fel da vida a ser bebido.

E depois da surra levada pelas pedras
Ao leito do rio a serem ouvidas
Deito nessa cama de ferro, um leito
Mórbido de hospital psiquiátrico
Por querer lutar com os gigantes
E ser derrotado pelos moinhos de vento.


(13/10/2013 – Ijuí)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

DISSOLUÇÃO

Porque o som me é estranho
O infinito é dissolvido?

Se na magnitude do imperfeito
O caos de larvas em meu redor
E o dom de se dizer estar completo
Na incompletude de ser, casualmente

Não estar sendo?


(10/10/2013 – Santa Maria)