quarta-feira, 27 de novembro de 2013

AMOR

O que dizer de um amor, assim, tão repentino
Abrasando esse tão humano coração
Com chamas altas?
E do amor reter o viço, a agudeza de um semblante celestial:

Reter o mais do amor
Reter a sombra de um corpo delgado
Reter aos olhos essa imagem pura

E nadar. Nadar amor no mar de calmarias
Nadar na vida para ser lembrado esse amor

E nesse puro amor do qual seremos lembrados.


(27/11/2013 – Santa Maria)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

BREVIÁRIO

Com a boca fechada, assim
Uma varejeira, mosca trincada

De se saber um dia feito
Noutro dia o descontente está ativo

E a morte aberta no céu sem cor
Estando o mar sedento pela água salobra.

Mesmo que os fetos natimortos
Apodrecendo o útero materno

Lacrimejando os olhos dos visitantes
Maquinam a maquilagem de um velório.

E nem por isso não era eu.
Nem eu me fazia, assim como tu fazias

E as façanhas nubladas e congestionadas
As despudoradas pombas estão mortas na beira do cordão.

E nele também um ente mentiroso e raivoso
Que me mordeu, passando-me essa vil doença

De nunca aprender a dizer: “Eu te amo”.


(25/11/2013 – Santa Maria)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SORDIDEZ PROFANA DO GRITO

Caminho entre meios
Entre meios eu caminho
Sem saber a direção exata
Sabendo ser exato na vastidão.

Se, com camadas, faço-me
Humano, corpo celeste:
Far-me-ei celeste e humano
Dentro de um tipo corpóreo agudo.

Com vozes profanas
E a lentidão do mundo
É que descubro o antídoto
Do mundo lento e da
Sordidez profana do grito.
                 

(22/11/2013 – Santa Maria)

domingo, 17 de novembro de 2013

O ARDIL DE UM SENTIMENTO

Manifesto meu desejo, assim, não desejando.
Se de nada me faz ter maior amor: que manipula
Que corrompe, que maltrata e que pisa.

Maior desejo é não desejar
Pois do amor só tenho más lembranças...
Areias movediças, linha esfarrapada e arame-farpado.

De nada tenho ao amor, mas, sim, a outro sentimento:
Tenho de entendimento boas coisas
Mas do amor tenho um punhado de pedras...

Pilhas arriadas, jarros quebrados, uma centelha que se apaga.

Mas de nada terei do amor
Se não uma dor crônica duma ferida aberta
Que nem do próprio amor curará
Apenas aumentará a dor e o sofrimento:

De um amor servil, manipulador e opressivo.


(17/11/2013 – Ijuí)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SURTO PSICÓTICO

Calculando a falta que me faz de sanidade
A falta que mais faz de lucidez; caleidoscópios

Agudos; eletroencefalogramas; fios; campos do cérebro:
E o meu cérebro em lentidão desatenta.

Faz-se martírio o pensamento. Faz-se podridão o lamento.
E de nada nos serve os cálculos matemáticos

Para serem lidos, conferidos, apenas compilados
Em notas suaves de uma leve partitura de violino.

Mas o feto natimorto de meus neurônios tão discretos
Está submerso num líquido sujo de sangue e terra úmida.

Se minha mente prejudicada, acostumada às fantasias
Comovida com os pares de vozes que me destroem

O sono, as tardes, o dia todo; que cavam minha sepultura
Aquática, nesse rio corrente ao lado de minha cabaninha

Faço-me, agora, um desprovido de cabeça-que-pensa
E adentro meu lar eterno, o entremeio desse longo rio

Nu, em meio ao turbilhão de sentimentos avulsos
E desconexos. Farei de meu corpo alimento e lar para os peixes.

Que nesse meio de rio, entre suas margens, se faça a morada
De meu futuro tão lapidado de soluços, construções

Indistintas. (Levantarei a minha arte a arte. Deixarei
Meus quadros, esculturas e, também, minha densa poesia.)

Pois que de eterno se têm os homens que lapidam
E verificam seus dias mornos e sem sal

Para serem livres de amarras, grilhões de metal
Naufragando no rio laborioso do eterno.

Fechado para o pensamento desconexo e dificultoso
Far-me-ei de gás, líquido... Deixo de mim, o corpo sólido

Para ulular alturas, sulcar pedras do inconsciente
Nadar o rio e suas plantas submersas e verdes.

Que de mente despudorada e doentia
Tenho eu, oleiro das palavras belas, para cantar:

O sangue podre de um feto natimorto e deformado
Comendo a carne de meu próprio corpo e regurgitar

Os favos de mel que cultivarei até o tempo de se fazer recuperado.

(14/11/2013 – Ijuí)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

FADANDO O FADO

É com tristeza e com mil lágrimas;
é com mil lágrimas e com tristeza
que atravesso o meu destino aberto.
Como num rio, a nado, atravesso o meu fado.

Se por vontade de Deus, fazer-me assim:
terreno, laborioso e desprovido de tal beleza aguda
é que me faço desigual, humano e mentiroso —
revelando as aparências de um mundo putrefato.

É com engenho de poeta que faço esse canto;
fazendo esse canto é que testo o poeta engenhoso...

... (que há em mim)...

...ferida ardida que aprimora o meu sofrer.
E o meu sofrer que aprimora a ardida ferida.

(Sempre)

neste cantar de sofrimento e de ilusão,
pois é de ilusão e sofrimento esse cantar.
Cantar em que carrego comigo esse lamento
de fadar ao fado do peito essa mórbida paixão:

(que é a labuta de homem pelo amor e pelo pão).


(10/11/2013 – Santa Maria)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

OPACIDADE REFLETIDA

Se me cabe ao léu gritar alturas, infrutíferas árvores de amargor
E a chama que outrora ardia em meu peito aberto, fumegava
As gotículas de saliva derramadas pela boca suculenta hoje, agora
São marcas do vapor dos mares, que vêm e vão, sem direção exata.

Ouvi a voz dos sons cantando a longínqua abertura de um coração
Sem dó nem piedade eu fui cavando para achar lá dentro uma lacuna
Que poderá ser preenchida por minha agudeza e meu engenho
E se de nada basta para ti, ó vil desejo, de me fazer extremo e corrosivo:
Hei de morrer nas trevas do temor vivente, para ser usufruído
Sem o mínimo desejo. Pois na morte certa de um rútilo no entremeio
E as trevas piores das mais pútridas avenidas, hei de sofrer os piores castigos.

Que do amor real não tenho conhecimento. Sei mesmo é de um momento — Momento de fagulha em meio às chamas, brilho intenso em meio às trevas
Claridades ofuscadas, opacas facas afiadas, luminárias com lâmpadas queimadas.
Em que o céu é só de nuvens cinza, chuva sem cor, e o cão ladrando para o nada
Sem ter, na noite, a luz da lua, e nem sequer um osso para ser roído e devorado.

Era, o pássaro, a minha experiência: ser trinado livre, sem pudor, gorjeio meu
Espantando todo o risco, para ser ouvido ao fim da tarde ou ao fim do mundo.


(05/11/2013 – Santa Maria)