segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Exercícios poéticos














Num exercício poético,
no submundo do seu campo,
o poeta canta o canto
poético e mui malvisto.

Canta uma porosidade:
manta asfáltica, a cidade.
Centro urbano é corrosivo,
é o adensar-se aí por dentro

e o dissolver-se cá fora.
Que tanto muda, poeta?
Adensa-se no teu campo,
sê poeta das coxilhas,

cante teus campos bem verdes,
a mata virgem, teu tempo,
teu bem fazer. Não o adensar-se
que adquiriste por vaidade.

“Estes versos, Meus Senhores”,
(disse o poeta vadio),
“são frutos de ócio e de tédio,
que se passaram no quarto
escuro de um manicômio.”

(24/01/2015 – Ijuí)

Perturbações


















Na paisagem das coxilhas
meus olhos se perderão.
No descampado do pampa
anseios se findarão.
Meu olhar é comedido;
pouco mais, é mal concreto,
despe-se assim facilmente:
branda nudez, tom celeste.
Se o firmamento chover
meu corpo adensar-se-á,
nas coxilhas deste pampa,
com punhos e com mãos santas.

2
O adensar-se é corrosivo,
mais que outro adensar-se.
Meu corpo é farelo de pão
jogado, às pombas, ao chão.
(Mas estas rimas mui pobres
[valor insignificante]
matam o corpo, a facadas.
Este malfadado corpo).


(24/01/2015 – Ijuí)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cemitério do pampa

O Cemitério Judaico - Jacob Isaakszoon van Ruisdael


















No pequeno fio vivo
de um átimo de segundo
vi nascer ali somente
já, um poema moribundo.

Assim como uma casa
é construído em partes.
Com as letras do alfabeto
vai se montando as palavras,

mas e o poema maior
já findo, é vigoroso.
Tenho medo destes, mesmo
que já vêm emaranhados

na navalha que, afiada,
passa a lâmina na chaira
para assim mais afiá-la
e ao verbo, dissociá-lo.

No fio fino, na lâmina:
este mestre da palavra,
de sinas, manias mais,
corta a parte importante

fingindo ser dor, aquela
que, na vida, namorou,
mas do poema a cortara
por não ter a incumbência

de matar a dor aguda,
nem fazê-la uma doença.
A vida deste poeta
é mesmo um poema morto.


(18/01/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

solidão corpórea

O Semeador - Vincent van Gogh
















a mão
fechada;
o punho.

e tudo se fazendo
labor sudoríparo.
semeado foi o trigo:
razão do campo.
eu maduro;
a morte andando.

os olhos: abertos.
o corpo: movimentando-se.
a boca: seca.
os dentes: podres.

e nada era para mim.

os grandes dedos
calejados,
duros,
contidos na semeadura das pedras.
o rio corrente;
o sangue quente.

queria poder dizer
que
a vida passa no fio
irrestrito da faca.
sua lamina fina,
densa de toda minha hemorragia,
batizada no fogo e no gelo,
tenho-a
para,
no final,
corrigir o meu erro.


(16/01/2015 – Ijuí)

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

revolução noturna de uma vida sem sentido

Banda de Jazz - Mervin Jules
















não temo as rosas
com seu
meticuloso perfume doce.

minhas visões nefastas,
agredidas pelo olfato
e pela inaptidão visual,
não são
mais
tão presentes e
nunca mais as percebi.

como pude deixar
envolver-me com estas cadelas,
mas as amo,
essas cadelas.

meu metabolismo
rudimentar,
empalidecido pelo pássaro do teu
sexo,
medindo a conformidade e
pedindo por mais uma vez
poder tocar, com minhas mãos, teus seios
e neles derramar minha seiva.

nunca mais ao romantismo.
não almejo mais as rosas nem seus perfumes.
nunca mais palavras acalorados e prazenteiras:
eu quero o choro, o urro alto de dor e lascívia,
quero mesmo é sentir o sabor podre das ruas escuras e dos
burburinhos noturnos de um bar barato.
eu preciso da vida subterrânea, da marginalidade, da cor escura de uma
noite sem sentido.

quem dera eu poder correr de carro noite adentro
e usufruir do néctar alcoólico contido numa garrafa de vinho e uísque.
caralho, como a noite é curta para um pseudo-escritor como eu,
mas agora o meu mundo é aquilo que eu escrevo nos livros.

depois desse devaneio
em meio
a
enxurrada do chuveiro:
fechei o registro,
sequei partes do corpo e
comecei a vestir-me:
uma calça jeans, uma camisa amassada
e os velhos sapatos pretos
(meus companheiros de muitas jornadas).

não borrifei gotículas de perfume,
passei a mão nos cabelos úmidos
e fui.
fui ao bar, que ficava a duas quadras do meu apartamento,
fumando um cigarro barato
sem pensar no trabalho e na poesia.

tomei um porre daqueles
e no meio da profusão de goles, tragadas e baforadas
chega a mim uma mulher:
“o que temos pra hoje, garotão?”, ela me pergunta.
“pra você serve esse cara aqui?”, respondo-lhe com outra
pergunta. “claro, amor. vamos lá?”, ela diz. e eu respondo:
“só se for agora”. paguei a conta, já de costas agradeci com um aceno.
fomos em direção a um motel barato...

... com vontade de trepar no restante dessa noite.


(12/01/2015 – Ijuí)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

apenas mais uma

O Bar - Mervin Jules















meus olhos
estavam na direção
de seus
belos peitos.

meus olhos,
perdidos na imensidão
pornográfica
do desejo, estavam em sua
direção.

“oi”, eu disse.
“vamos aonde?”, ela
me pergunta.
e todo o papo batido
em frente ao
bar esvaiu-se.

“antes vamos beber?,” eu pergunto.
“pode ser, meu amor”, ela
responde.

e
entre goles e tragadas
uns cuspes
e
umas baforadas,
porra, tudo tinha um
ritmo perfeito.

mas os meus olhos
miraram o quadril
delicioso
daquela morena.

“cara, o que você pensa que
está
olhando?”, ela pergunta,
puta da cara.

nesse momento ela levanta
a mão
e me acerta um tapa
que ressoou por todo o bar.

todos me olhavam rindo.

de leve passo a mão na cara
e digo:
“porra, o que você acabou de fazer?”

ela ri sarcasticamente,
pega a bolsa,
ajeita a minissaia
e vai embora.

uma porra de noite,
acabei sozinho e
ainda tive que pagar a conta
dela.


(06/01/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

sentido putrefato

A Ronda dos Presos - Vincent van Gogh



















não amo.
apenas sinto muitos pesares,
mas
do amor, esta dor maior,
não sinto nada.

nem sinto compaixão da arte de amar:
que não é
arte,
é desespero,
é uma agrura desmedida
que desta o nó
dos
putrefatos desejos
da libido, este amor de
carne.

não sinto amor,
nem sou amado e
nunca serei amado.
não sinto nada disso,
nem falta eu sinto, pois
nunca tive.

sou seco. e penso:
quão repulsivo é o amor.

não amo.
apenas sinto muitos pesares,
mas
do amor, esta dor maior,
não sinto nada.

não amo,
nem mais pesares eu sinto:
apenas pena

por tão boas almas
perderem-se no desvão de uma cadeia
que além de prender,
tortura e

esquarteja.

fui treinado para a crise,
adaptado para a estiagem do organismo.
nada faria sentido
se o sentido não tivesse
sido
deturpado.

sou soldado.

e o abutre sanguinário
de nome
amor
está foragido.

nunca tive tempo para
conversinhas.

cadáveres humanos,
entregues ao sofrer maior (o amor),
expelindo o odor
do
sentido putrefato
na maior
orgia
dos sentimentos cáusticos:

abaixo ao amor.


(01/01/2015 – Ijuí)

sem um tostão sequer

Bad Boy - Eric Fischl














sem exatidão
tateio o corpo nu
deitado ao meu lado
na
cama.

sem nada para dizer:
paguei-a.

sem nada para fazer depois:
beijei-a novamente.

“quer mais uma?”, perguntou-me ela.
“pode ser” eu disse. vindo
toda essa maneira
estranha
de sentir desejo.

fui tateando novamente o corpo
na meia luz
daquele quarto
barato.

depois daquilo
lembrei que não teria
mais com o que beber.

“foi muito bom”, eu disse.
“quando quiser de
novo
sabe onde me achar”, ela respondeu.

eu sabia mesmo é
que eu teria que
trabalhar
mais duas semanas
para ter o que

comer.


(01/01/2015 – Ijuí)

solidão

Pintura de Iberê Camargo


















era o último dia do
ano,
e eu lembro:
estava sozinho.

eu e
minha máquina de escrever.

era tamanha a melancolia
que nem
o porre que
eu
tomaria
mudaria minha situação:
a solidão.

terminei de
retocar
um conto,
o último conto do
ano,
as últimas palavras
do ano
de um velho
bêbado.

o ponto
final.

olhei pela janela
e
vi movimento de automóveis
solitários
trafegando nessa avenida; vi
os
canteiros de flores.

poderia chover nesta noite.

dei o ponto final no conto,
rabisquei
um poema,
penteei o cabelo
e
saí para beber.

quem sabe alguma puta
estaria por lá
e acalentaria minha noite
na virada do ano.

um ano de merda por outro
ano
de merda.


(31/12/2014 – Ijuí)