segunda-feira, 25 de maio de 2015

Devaneios



















Olho ao meu redor
E aprecio as bifurcações do meu caminho.
Na lentidão dos passos
Vejo gorjear, num galho, um passarinho...
— Olha, que belo é!
E nisso não percebo uma pedra no caminho,
Tropeço, mas não caio,
Louvo com louros de vitória em minha cabeça
O tombo que não levei.

Ando ainda mais, além,
Para saber realmente o que ainda se tem por vir.
Mas a vida é maçante.
Andando, a pé, nessa trilha com sol escaldante
Almejo realmente um rio de água corrente,
Mas essas pedras que para meu tropeço estão
Elas ficarão
Porém eu, não.

(24/05/2015 – Ijuí)

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ária de coração solitário

Boulevard Montmartre At Night - Camille Pissarro

















Eu amo, sim, mas não mais,
Por ser amor a dor que eu sinto
Dentro do compasso de meu peito em chaga.
Por isso o amor, eu posso amar,
Mas não mais...

Sinto, sinto imensamente a vida ao meu redor,
Sinto o cheiro do café passando,
Sinto o cheiro acre das flores murchas
Por sobre a mesa empoeirada
Que nunca mais suas mãos sentirão.

Eu amo, sim, mas não mais.
Não mais a cor será a mesma,
Das paredes do nosso quarto;
Eu penso, e o pensamento me é caro,
Como o valor sentimental de um objeto antigo.

Mas o amor me é caro,
Imprescindível sensação da vida,
Sensação de morte, porém o coração ainda bate,
As veias e artérias pulsam
E mesmo em um minúsculo corte
A superfície recobre-se de tinta rubra
De muita qualidade para a pena e o papel
De um dolorido poema moribundo.

Meu coração desolado, solitário e murcho,
Ama:
Como sempre amou,
Como há de amar,
Mas não mais...

Ele sente a chama opaca de volúpia,
O sexo embebido de líquidos lubrificantes,
O odor do cio.
Ele sente o rubor da libido,
Ele simplesmente vive.

Mas na ária de coração solitário
Ele canta o amor,
Pois eu amo, sim, mas não mais...

Por isso digo o adeus eterno, para não mais estar
Onde nunca eu deveria ter estado.


(12/05/2015 – Ijuí)

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Árula II
















Novamente a Vida se desfaz
Na louca noite, na densa noite alcoólica, relembrando os russos.
Novamente lamentei o fado (mesquinharia relapsa de analepses)
Fado maldito, este que desfigurou minha vida toda.
Na última lâmina de lábios vermelhos se completando, roubando-se em                                                             [beijos,
Comprando brigas noturnas de neurônios saudosistas que ainda assim
Sonham com a epiderme sedosa e de alvura espectral,
Porém de calidez que remete a outra coisa e não ao espectro que me                                                             [persegue.
Sou formado de vazios;
Balde que transbordara e esvaziara-se completamente;
Sem nada... Sem nada, mesmo, ando ao mundo sem rumo, ouço apenas o                                                              [meu fado
(Melodia repulsiva, uma ária composta para desalentar o corpo de um 
                                                            [amante,
Bela, mas não ária apenas, mais para um réquiem, este composto de                                                                  [toda
Naufragada partitura em lágrimas sanguinolentas, da chaga do coração
Que se insiste na dilaceração do músculo cardíaco vivendo a                                                     [majestosa vida de poeta
Não se deixando por esquecer-se de tudo o que viveu).
Um viva à poesia visceral!...

Por sentar-se à cadeira de madeira ordinária, dentro do salão lotado                                                        [de fantasias
E luzes e fumaças e ópios e outros tipos quaisquer de drogas                                     [ilícitas que tanto a juventude aprecia.
Mas não sou eu o mestre do universo para julgar o corpo alheio,
Eu apenas sou o menestrel deste reino, quem sabe o bobo da corte,                                                      [escravo eu mesmo
Do meu próprio fado, que canta os aluares de uma doença mental,
Mas que canta o coração lacerado, realmente, que pinta de nódoas                                             [escarlates o peito sem cor.
O que o poeta canta, em vozes de outros eus, neste momento canta
Seu próprio desalento em detrimento de magias e outras erupções                                                             [apaixonadas
De um corpo que lembra.
E a recordação desse corpo vai além de tudo o que se imagina,
Num completo turbilhão zebrado, mas de olhos que não veem cores, têm                               [apenas a percepção do preto-e-branco.
Mas retomando o fio-matriz deste poema, que apenas se inicia, dentro                                                         [de um salão
Onde realmente deve se ter divertimento, eu paro e penso,
Rememoro tempos que foram de divertimento, tempos felizes, (posso                                                               [dizer),
Mas que não me cabem mais sua administração, pois outro ser                                                     [angelical o tomou posse
(Para mais exatidão, a tomou posse)
Porém eu creio, em meio a este mundo de descabimentos, este mundo                                                    [que eu desacredito
E nele me ponho em tédio, eu, neste ponto, creio ser ela uma peça                                                        [incontrolável;
Indomável corcel nativo que por ele mesmo não se deixa dominar:
A fibra é mais densa.

Poderia ter sido uma noite qualquer,
Pois a vodca era uma vodca que poderia ter sido sorvida numa noite                                                             [qualquer,
Como o meu de antes era um trabalho qualquer,
Mas após esta noite, (após um quarto de hora exatamente), este                                               [trabalho não é um qualquer:
Ele pede por verdades e justiça, e que esta justiça seja feita antes                                                           [que tarde
E não se tenha mais curtos segundos de vida para se gozar de um                                                        [verdadeiro amor.
Não sou aluado por razão de ser maluco, apenas por vocação de o ser.
Aluando nesta hora de escritura, em versos vertiginosos que a poucos                                                           [remeterão
Quaisquer sensações. Mas eu acredito no que canto, por isso aluo meu                                                                [ser,
Mergulho na pura sensação de loucura, pois dela nunca terei um                                                             [último beijo:
Nem em vida, muito menos em morte,
(Mesmo que a morte não se aproxime, a não ser que eu a tente                                                                  [aproximar,
Mais por querer tocar estes lábios, ao menos mais uma vez, finado em                                                        [um esquife).
Será que serei enterrado em minha terra natal?
Será que muitos virão ao meu velório?
Será?... Será?...
São dúvidas cravejadas de reticências, por serem estas perguntas um                                             [mesmo véu de incertezas
Que encobrem meus olhos de puro amor.

(Como disse noutro, Árula é um anagrama, como Aluar o também é:
Medito nesta árula para mais tarde, ainda mais, aluar-me na vida, ou                                                           [na morte,
Sempre amando inexplicável e inacreditavelmente).

Amor para todo o sempre!...


(01/05/2015 – Ijuí)