terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

restos do passado














abutres sobre o corpo
oco, eco, vermes e sal
sede, sede, sede
de teus lábios quentes
de teu corpo despido sobre
pétalas ornamentadas de tinta
e sumarento caldo corpóreo
sou o reflexo da solidão e desamor

saber musas: uma só
quando o nome também
se faz de um apenas
efervescendo o sangue
no instante da memória metafísica

maldito amor que renasce
esse que a maldita semente
nunca se esquece a germinar
e no instante do fato se consumar
era sonho, sonho bom, maldição

abutres sobre o corpo
ranger de dentes agudos
o mar é tão distante, e eu nem sei mais
pois da dor pungente, e lancinante
teu nome surge em minha mente
não sei, não sei de grito, ou choro
a autodestruição do corpo
dentro de uma claustrofobia orgânica
estando aprisionado em um recipiente
quando gostaria de estar, em ti
ao menos um sopro e sangue nas gengivas

maldição dos tempos de ontem e do amanhã
abutres famintos, perseguindo o odor
de sangue novo, dilacerando a carne até os ossos
sou resquício de um vício que nunca existiu realmente

morte ao amor, morte ao amor
se ele existe, morte ao amor
se eu desisto, morte ao amor
se eu ainda te amar, morte ao amor


(28.II.2017 – Ijuí)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

o corte II











clepsidra, aurora, finalmente
mas a morte banalizou-se
conteúdo metafórico e desmedido
o gado acostumou-se a morrer

se dentro da velocidade do tempo
pudéssemos construir o presente
nada somos, e também nunca seremos

morte abrupta por um machado
ou um disparo, ou a boiada
pisoteada por seus amigos de grupo
o momento de estar ali mesmo
fez do tempo o que não se faz naturalmente

consumo de energia, entrega, ócio, fadiga
o gado acostumou-se a morrer
disseminando o ódio e a agonia
morrendo de fome, sem teto
mas em guia dos seus superiores
mantidos em rédeas curtas

fomos vendidos, caluniados
e serviremos de alimento aos que
alimentavam-se ao nosso lado
mas que teremos, nós, de fazer agora?
um levante, uma revolta armada?

seremos mais uma vez enganados
e sorveremos o gosto amargo de sangue
mais do que imaginávamos
mais do que comportamos
e comeremos um ao outro e a carne pútrida
sem receio, pois é isso o que nos restou

somos agora vermes decompositores
dormindo em jazigos divinos
gado vestido com o melhor linho
para ser esquartejado no matadouro

clepsidra, aurora, finalmente?


(24.II.2017 – Ijuí)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

o corte I













filamentos esverdeados
riscos de pasto escorrendo
ao canto da boca
caminhando sem cessar
pensando um paraíso
quando nosso destino
se limita ao matadouro

e como o gado de corte
ao abatedouro da vida
se aglutina em morte metafísica
a vida putrefata de um verme
àquele que usurpou os direitos
obrigando-nos a ouvir e ver purulentas mentiras
ardiloso se faz o inimigo pestilento
e como o gado de corte será abatido
o pulsante pulso, a vida, fissuras arteriais
o corte faz jorrar o líquido grená
julgamento da jugular quando se fala em revolta

não deixar de lutar
não, nunca
assim pela liberdade serão lembrados
e reconhecidos não por paspalhos olhos
umedecidos de choro, a lamentação
mas por terem lutado contra as cercas
despido cabrestos e rompido os grilhões

o solo será fertilizado com sangue mártir
e assim, pela liberdade, mesmo que tardia
em longas noites frias de lutas e sangrias
o gado que pastava manso comandará a sua sina
não mais temor de um frigorífico
não mais fruir o assassínio
nutrirão quimeras de cosmopolitismo
nunca mais o “gado” será feito em sacrifício


[13.II.2017 – Balneário Pinhal/RS]

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

ontologia















catástrofe é o amor
mudo coração mundano
quando mais de amor vai condensando
muito mais o ser diminuindo

e quando de amores o peito explode
mais à escuridão o ser habita

profanação do leito de morte
um coração sem vida nem sorte
descansará ou será devorado
por vermes necrófagos malditos?

catástrofe é o amor
que mesmo quando amado
e correspondido
mais o ser é enganado
mais o ser é reprimido


(01.II.2017 – Balneário Pinhal/RS)