sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

o corte II











clepsidra, aurora, finalmente
mas a morte banalizou-se
conteúdo metafórico e desmedido
o gado acostumou-se a morrer

se dentro da velocidade do tempo
pudéssemos construir o presente
nada somos, e também nunca seremos

morte abrupta por um machado
ou um disparo, ou a boiada
pisoteada por seus amigos de grupo
o momento de estar ali mesmo
fez do tempo o que não se faz naturalmente

consumo de energia, entrega, ócio, fadiga
o gado acostumou-se a morrer
disseminando o ódio e a agonia
morrendo de fome, sem teto
mas em guia dos seus superiores
mantidos em rédeas curtas

fomos vendidos, caluniados
e serviremos de alimento aos que
alimentavam-se ao nosso lado
mas que teremos, nós, de fazer agora?
um levante, uma revolta armada?

seremos mais uma vez enganados
e sorveremos o gosto amargo de sangue
mais do que imaginávamos
mais do que comportamos
e comeremos um ao outro e a carne pútrida
sem receio, pois é isso o que nos restou

somos agora vermes decompositores
dormindo em jazigos divinos
gado vestido com o melhor linho
para ser esquartejado no matadouro

clepsidra, aurora, finalmente?


(24.II.2017 – Ijuí)

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