I
Esse som é
o terror cantando a minha aventura
Humana terrena.
A minha pequenez estúpida de se dizer
E não poder
compor um soneto, por ser contraditório.
(Os
movimentos rotatórios, os ossos gastos da mandíbula
A aguda e
profana vontade aniquilada de um gozo permanente
A penetração
interrompida pela maldita ejaculação precoce
O palpitar
da pulsação e o compasso acelerado do músculo cardíaco.)
Mas não
eras tu que na madrugada gritava meu nome
Histérica,
nua e molhada da chuva em frente a minha casa de pensão?
E os
vizinhos velhos já punham a cara nas janelas para bisbilhotar.
O escândalo
era armado. O meu pudor já fora deixado de lado.
Sim. E eu,
de bermuda, saí ao relento da chuva. Banhávamos
Na umidade
entregue por entre nossos abraços e beijos e excitações
Mas éramos
tu e eu envoltos em névoa, banidos do sistema
Para viver
a loucura da estrada aberta, como artérias que sangram
Por sobre
uma mesa de cirurgia. Éramos nós que ouvíamos um dia
Mas agora
destruímos o despertador. Eu, já por mim, abandonei
O meu
aparelho de barbear para viver a loucura de estar à margem
De estar
sendo profanado pelo comodismo e regras ridículas da sociedade.
Decidi
viver por mim. Andar por mim. E morrer pelo amor.
Não sendo,
sim, deixando de ser, para simplesmente existir.
E nas
nuvens definhar meus últimos dias. Morrer de amor.
Sonhava eu,
de pequeno, em um dia tocar um anjo. Um anjo branco
Alado,
loiro, viçoso. Um anjo bom e protetor. Um anjo do senhor
Mas como
sei que de uma vida desregrada e sem mistério
Vou ser
mandado além do fundo, para o vil necrotério em chamas
E por final
diluído no enxofre. Outrora a vida era melhor, ser louco
Por ser
filho dos elementos naturais: “DO CARBONO E DO AMONÍACO”.
Deixo este
testamento para ser visto; recitado na abertura de uma feira.
Deixar de
ser terreno (hoje etéreo); deixar de ser vilão (hoje mocinho):
Para viver
no eterno moinho de um mundo espiritual em que
Ainda sopram
(uivando sem fim) os ventos.
II
Sorvi, na
vida, calamidades pútridas mantidas sob minha pele.
Epiderme
ressecada, profunda carne seca, manchas roxas dos pontapés.
Lasquei a
pedra, coei o sumo. O gosto amargo da solidão tinha-me
Assolado e
tornado duro.( Irrestrito, maldito, membro rígido.)
Na alcova
de relva: membranas, barbatanas e cristas de galo.
Fui mantido
por mim mesmo para ser um resultado especial
O
excremento fétido de um mundo vil e mal, surdo e cego.
Nadei com
minhas patas de pato, bebi do líquido sujo da tigela
E o nada
fez sentido em minha vida quando me dei por entendido
De que a
solidão por si nos mata, cava a cova e nos enterra.
Meu sonho
era andar o mundo. Ser movido pela rebeldia
Correr pelas
estradas sem um pingo de decência, o pudor
Sim,
deixei-o no baú. Movi meus pés sem ter sapatos
Vesti minhas
roupas estreladas, andei como anda uma barata
Rastejei
nas profundezas dos mares, mastiguei os corais
Lambi o
limo das pedras do rio, roí a roupa de um nobre na Idade Média.
De tudo já
fui um tanto, não recebi nem processei as regras
Lastimado
fui depositado numa cela suja, sem luz e saneamento
Por ter
corrido nu, gritando os nomes feios (vozes de raiva.)
Acesso de
loucuras contra a condição humana vil e podre
Deteriorado
pela bebida, corroído pela droga.
Parei no
limbo entre o nada e a sepultura (o nada grita.)
E nisso fui
transmutado em liberdade: uma bandeira ao vento solto
O grito do
revoltado, a mão cerrada ao soco, o cuspe de crueldade.
(30/10/2013
– Santa Maria)